Vamos pela estrada de Tibério entre muros velhos e oliveiras. Todas as parreiras estão carregadas de cachos e numa velha figueira os figos roxos de tão maduros se racham em bocas vermelhas. A terra dessas perambeiras é defendida por terraços de muros de pedra, para que as chuvas não a carreguem. Anteontem, depois do temporal, vi, em Caprile, três homens descerem à estrada com pás, para recuperar a terra de sua lavoura, que a enxurrada arrastara. Tenho vontade de dizer a esses italianos: “emprestem Capri ao Brasil três anos e nós, técnicos em ajudar a erosão, lhes devolveremos um rochedo com alguns pastos secos e sem árvores”...

À medida que subimos, a ilha esplendente, verde, aos nossos olhos. Vamos ver o palácio assombroso do velho rei devasso e cruel: um palácio monstruoso, de pedras e tijolos, com mais de 300 quartos ― que, entretanto, era apenas um entre os doze da ilha, nos tempos de Augusto e Tibério. Esses homens de governo e ditadores de hoje, que mandam na metade do mundo, são bem medíocres perto desses imperadores de Roma; parecem comerciários, que só podem tomar sua bebedeira nos sábados à noite. E não é questão de temperamento. Por mais escravo que seja o povo de hoje em qualquer país, seu chefe é também escravo ― ou das leis ou da sua própria demagogia.

Subimos para o grande palácio, sobre cujas ruínas de 2.000 anos o Catolicismo, vingativo, plantou uma igrejinha branca para celebrar sua vitória sobre esse espantoso mundo pagão. Capri viveu seu maior esplendor quando Cristo caminhava pelas estradas poeirentas para pregar aos homens rudes das aldeias pobres de uma colônia distante.

Paramos um pouco para descansar. Três meninos estão colhendo azeitonas. Uma velhinha incrivelmente velha se aproxima e fica me olhando. Tenho a impressão de que precisa de alguma coisa. Animo-a com um buon giorno cordial. Ela me pede um cigarro.

Dou-lhe três ou quatro. Ela agradece ― e dispara, com uma agilidade surpreendente, pela colina abaixo, sumindo, atrás de um muro de pedra. Quando vou tocar a caminhada, ouço uma voz que me chama: a velha voltou para nos dar um grande cacho de uvas.

E deixamos de pensar nos impérios idos e por vir, nas crenças mortas e vivas, nas lutas sem fim da humanidade. A vida ainda pode ser, humildemente, uma coisa humana. Ainda existe o amor.

Ainda existe uma camponesa simples, que não sabe de onde venho nem quem sou ― mas eu lhe dei uns cigarros e agora sua cara toda enrugada está brilhando de alegria porque ela pôde me dar, em agradecimento, um cacho de uvas. 

rubem-braga
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