Embalado pelo doce ronronar do Constellation da Panair, eu vinha pensando na Roma que conheci em 1945, cheia de soldados estrangeiros, suja e triste, e em suas noites escuras.

Nas viagens que fiz depois à Europa, não voltei à Itália, mas estava preparado para encontrar um país reconstruído. Roma, entretanto, surpreende o mais avisado: A cidade cresceu e cresce com uma rapidez espantosa. E cresce bonita, com suas massas de edifícios modernos, de uma arquitetura tranquila, de linhas discretas, invadindo em várias direções à campanha bela do Lácio.

Do avião vou descobrindo esses bairros imensos como se fosse uma cidade nova. Tenho uma carta para entregar a uma senhorita. Nunca ouvi falar no nome da rua, mas no envelope está escrito que é em Parioli. Também nunca ouvi falar em Parioli: deve ser algum subúrbio distante. Não é. É um bairro residencial elegante, moderno e imenso, onde hoje mora quase todo o pessoal do corpo diplomático — e no meu tempo era apenas um morro.

Roma está crescendo como São Paulo ou qualquer cidade nova da América; mas cresce com harmonia, sem alterar a majestade impressionante de seus palácios e suas ruínas; cresce em volta de si mesma, poderosa e bela. Contam-me que no início dessa expansão a cidade sofreu: faltou, por exemplo, água, em alguns subúrbios. Mas novas fontes foram captadas e a água hoje está jorrando por toda a parte jorros de água.

Paris é feita de ruas, avenidas, perspectivas, Roma é feita de escultura e arquitetura entre a sombra de árvores imensas. Daí a sua beleza grave: nunca se tem vontade de fazer um quadro a óleo, como em Paris, nem uma aquarela, como em Lisboa: Roma só pode ser bem contada em gravuras, tem massas e volumes, não cores. Ou tem apenas uma cor, esse rosa desbotado que se propaga aos nossos olhos, do alto do Pincio, em ondas de quarteirões, e que os mármores antigos parecem absorver, e até o céu, nas longas tardes de estio, parece refletir. Estou com um casal de amigos em um terraço da Piazza del Popolo, bebendo um vinho branco. E vemos: estamos todos de um rosa desmaiado, toda a gente que passa é rosada, na ampla tarde morena... Temos a cor de Roma.

rubem-braga
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