O homem pobre vai tentar a aventura da meia idade: comprar uma casa. Não é bem uma casa, é um apartamento. Não é bem um apartamento: é um papel riscado em cima de uma mesa.

O outro homem explica que aquela planta se multiplica por 12; ele pode escolher o andar; e no andar pode escolher o apartamento. O terreno fica na esquina de tal rua com tal rua. O homem pobre conhece bem aquele terreno, conheceu a casa que havia nele, se lembra quando ela foi derrubada, se lembra do mato que cresceu atrás do muro novo, mas já arrebentado.

Ali, naquele terreno baldio, a cujo lado tanta madrugada passou sua melancolia, ele terá um apartamento. Sente-se suspenso no ar sobre aquele capim crescido, escolhendo seu lugar no espaço. Sexto andar, décimo, terceiro?

Seria melhor que fosse voltado para leste, para o mar, para o nascente e os ventos salgados. Mas o outro homem é prático: “aqui podem construir outro prédio, você ficará sem mar, nem sol, nem lua, nem vento”.

O homem pobre hesita entre o leste e o norte. Aborrece o sol da tarde e o estrondo dos bondes; escolhe o norte: sabe que no inverno terá mais sol que no verão e se sente sábio por saber isso. Afinal detém o dedo moroso na planta: este. “Que andar”? Escolhe o 9.

O outro homem fala em documentos, em juros, em amortização. Ele não ouve. Sente uma vaga melancolia, ele que sempre errou pelo mundo, e nunca teve nada de seu: queria árvores, queria o mar. Afinal será localizado em um buraco de cimento que defrontará, do outro lado da rua, outro buraco de cimento.

Assusta-o um pouco, e o lisonjeia, a ideia de ser proprietário, poder dizer: “isto é meu, esta parede é minha, este chão é meu”. Mas reflete que dirá exageradamente: a parede será sua, o piso será seu apenas às meias. E a terra será sua através dessa ficção chamada condomínio: não será dono de nenhum chão do qual poderá dizer “este chão”, mas apenas de uma porcentagem, de uma geometria, de uma metafísica de chão.

E de repente lhe vem uma tristeza, ter aquele apartamento: morar nele ― morar, dormir, amar, morrer talvez, quem sabe? Mas o apartamento ainda é apenas um risco no papel, um ponto no espaço, uma palavra solta no ar. E de súbito ele muda de ideia: “ainda tem algum vago no décimo segundo”? Sim, escolhe o 12; assim não terá ninguém sobre sua cabeça, não suportará outras tristezas sobre seu ombro cansado, e, quem sabe, poderá ver melhor as nuvens, as nuvens com seu mar, suas árvores, seus carros de glória puxados por esplêndidos cavalos brancos empinados no azul, e mesmo de tarde, uma tarde, quem sabe, o longo e alvo corpo da impossível amada, além.

rubem-braga
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