Três amigos meus de São Paulo vão pegar um automóvel e sair para o Norte; esperam ir até o Ceará. “Estão loucos” — é a reação mais típica a esta notícia. Mas há também uma pergunta: “vão fazer o que?” Porque no Brasil ainda não se entende que uma pessoa possa viajar por viajar, para conhecer a terra — a menos que se trate de ir à Europa ou aos Estados Unidos. E quem se aventura pelo interior assume ares de bandeirante ou coronel Fawcett; os amigos olham o tresloucado com certa pena, como se já o vissem em postas, alegremente comido por uma simpática tribo.
É verdade que a gente não desfruta, no interior do Brasil, de um conforto suíço. Mas a coisa melhorou muito de Saint-Hilaire para cá. As estradas já começam a existir, você pode ir de Montevidéu a Teresina sem precisar trocar de carro no caminho. Há um ônibus “Aracajú-S. Paulo”, há outro que vem da Paraíba com este nome orgulhoso: “Campina Grande-Praça Mauá”.
Há também muita poeira, mosquito e outros fenômenos, mas nossas grandes cidades vão ficando tão atulhadas e desconfortáveis que passar um pouco mal no interior até descansa um pouco.
A verdade é que há também surpresas boas (outro dia não inventaram um hotel maravilhoso em Manaus?) e há principalmente uma terra de belezas súbitas e doçuras infinitas e um povo mal-ajambrado, estranho, errado, às vezes desagradável, mas subitamente tão incomparavelmente fino, sensível e nobre como não acontece muitas vezes no mundo. E dá na gente um prazer especial ver que essa variedade tão grande de gente é, afinal de contas, a nossa gente mesmo, com as mesmas superstições e orgulhos, amando ou detestando os mesmos getúlios vargas e se comovendo com os mesmos sílvios caldas, e sempre achando que a melhor cachaça do Brasil é precisamente a que se faz no seu distrito.
Confesso que uma grande ambição minha seria passar alguns anos preparando, sem literatura nem pretensão, um livro grosso e simples que fosse uma espécie de Guia Azul do Brasil, mas feito de um outro jeito, capaz de ajudar o viajante a visitar uma igreja ou a comer o melhor doce de abóbora com coco de uma região, um livro que fosse impessoal e exato na informação, mas que também fosse feito devagar, com carinho, como um ato de amor. O Brasil é tão longo e o brasileiro quase sempre tão mal informado sobre a própria rua que o trabalho seria imenso e o livro seria cheio de imperfeições. Mas eu iria ouvindo toda gente daqui e dali, e vendo as coisas, e pedindo ajuda a essas pessoas surpreendentes que de repente se revelam num velho farmacêutico do interior gaúcho ou num coletor estadual do Maranhão, esses amantes e conhecedores ignorados da terra, que morrem, às vezes, sem deixar uma linha escrita.
Não precisaria dar os horários dos trens, que o Guia Levy dá bem certos: mas às vezes informaria, confidencialmente, seus atrasos normais...
Isso é um simples sonho — que talvez eu converta em realidade dando um desconto forte e me cingindo no Espírito Santo, que tem tanta beleza que ninguém sabe. E esta crônica é apenas para mandar meu abraço e minha inveja ao Sérgio, ao Pedroso e ao João, e desejar boa viagem.