Existe, no jornal em que trabalho, como existe em muitos jornais, um redator essencialmente agrícola. É um homem encarregado de explicar diariamente aos seus leitores qual o melhor meio de plantar batatas. Recebe do interior misteriosos embrulhinhos registrados, contendo lagartos, pedacinhos de raízes e punhados de terra, para opinar sobre esses objetos. E opina. É um ofício heroico, remediar à distância a dor de barriga de um porco ou matar os insetos que atacam um pé de abacate situado há 950 quilômetros da redação do jornal.

Na sua correspondência de hoje, o meu colega recebeu uma carta que o deixou profundamente triste. Passou-a à minha mesa, dizendo que eu devo respondê-la. Na sua opinião, eu sou um literato e a carta é de literata. Veio de Lençóis. Quem a assina já me dirigiu várias cartas que não respondi. É uma senhorita que, estando profundamente sem ter o que fazer, diverte-se escrevendo cartas anônimas a todos os jornalistas. Enfim: uma senhorita sem caráter, uma senhorita patife.

Creio que mora em alguma fazenda, onde se entrega à contemplação da natureza e à leitura dos bons livros. Ela mandou dizer ao meu colega agrícola — Fajardo da Silveira — que está procurando se consolar, no campo, das mágoas que a cidade lhe causou. E pede conselhos minuciosos a respeito. Fajardo da Silveira esteve quase respondendo. Chegou mesmo a redigir algumas frases e veio me consultar. Disse que era “um assunto puramente humano”, do qual não entendia. E explica:

— Responda você, literato, que é entendido em senhoritas. Prometo ajudá-lo quando o consultarem a respeito de vacas ou de cebolas.

Eu me neguei a atendê-lo e ele passou a outras mesas da redação. O redator social declarou-lhe:

— Quando esta senhorita ficar noiva, casar, ou tiver um filho, eu tratarei dela.

O repórter policial rugiu:

— Mate esta moça, ou pelo menos, arranque-lhe a orelha esquerda. Eu publicarei o seu retrato no jornal.

O crítico musical exigiu que ela tocasse harpa ou trombone; o repórter político sugeriu que ela fizesse um discurso, e o esportivo, que ela atravessasse o canal da Mancha. 

Fajardo da Silveira berrou:

— Trata-se de uma senhorita pacata, que jamais praticará violência semelhante. Todavia, é preciso que ela seja atendida. Também não posso fazer nada, porque ela não é uma abóbora nem uma euforbiácea.

Disse, pôs a carta novamente sobre a minha mesa e postou-se em minha frente raivoso. Mas eu também não sei o que fazer com essa miserável senhorita literata e rural. Já estive ensaiando várias respostas, mas nenhuma serve absolutamente. Fajardo da Silveira acaba de sair, desanimado e disposto a tudo. Deixou comigo as frases que redigiu e que ele mesmo não julgou boas para serem publicadas em sua seção de “Vida Agrícola”.

Eu as publico aqui, porque não tenho outra solução. Ei-las:

“I. F. — Lençóis — Nesta seção, senhorita, não posso cuidar de literatura. A tristeza de sua alma, infelizmente, me interessa menos que a tristeza do gado vacum. Passe bem”.

Também acho que isto não é delicado. Não se deve falar em gado vacum quando se escreve a uma senhorita. Além disso, aquele “passe bem” final tem um tom visivelmente feroz. Mas não se pode fazer nada razoável com uma senhorita que tem a mania de escrever aos jornais.

rubem-braga
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