Um deputado, o sr. Baleeiro, quis fazer pouco de outro, e então disse: “V. exa. é uma espécie de jornalista parlamentar…”.
Não se sabe se o outro deputado ficou ofendido; em todo caso, os cronistas parlamentares tomaram nota da frase sem muito entusiasmo. Tanto mais que, na véspera, um outro deputado, o sr. Orico, já falara deles com certo desprezo.
Já tenho feito alguma coisa em jornal, e trabalhado em diferentes seções: esportes, crime, cinema, um pouco de tudo.
É um trabalho com frequência ingrato; mas confesso que de minhas experiências de profissional, a que me deixou recordações mais tediosas foi a de cronista parlamentar. A bem dizer, nunca acertei a mão nesse ofício, embora já o exercesse, por pouco tempo, umas três vezes. Falta-me resistência. Tenho a alma fraca: depois de 15 dias, um mês, de bancada de imprensa na Câmara, começo a me afundar numa melancolia sem fim. Aquelas tardes passadas ali no recinto, entre o zumbido das conversas e os discursos e o ruído das campainhas, me dão uma tristeza insuportável, e uma saudade louca da rua. Lidar diariamente com aquela montoeira de discursos, anteprojetos, emendas, explicações, apartes, pareceres, incidentes, indicações, fuxicos de corredor, etc. — e ter de debulhar tudo isso depois numa crônica apresentável, me parece tarefa heróica; e os que fazem isso todo dia são altos heróis.
Essa coisa da gente tomar conhecimento, na mesma tarde, do problema da aftosa no Piauí, das lutas íntimas de um partido qualquer em Mato Grosso, dos escândalos de um contrato qualquer no estado do Rio, da remoção de um coletor qualquer do Paraná, dessas centenas, dezenas de casos embrulhados em retórica, amontoados em desordem entre adjetivos, exclamações, intrigas e protestos — isso nos leva, no fim de uns dias, a considerar o Brasil inteiro uma espécie de balbúrdia imensa; monótona e absurda. A mim isso me dá um desânimo infinito —e, da última vez, como o jornal em que eu trabalhava me pedisse para averiguar qual era o pensamento de certos figurões parlamentares sobre um certo assunto, minha vontade, depois de conversar com alguns deles, foi mandar ao secretário do jornal o seguinte bilhete: “Ss. exas. não pensam nada”.
O fato de haver na Câmara figuras brilhantes, como há, não basta para disfarçar esse tédio imenso. Um ou outro momento de graça ou de emoção também não paga o desfile cinzento das sessões cacetes em que as questões de ordem infindáveis atulham o caminho. Se os deputados toleram a Câmara é que cada um deles não ouve nem cinco por cento dos discursos que os outros fazem; mas os jornalistas, cortados, têm de ouvir todos.
Que homens nessa situação ainda possam fazer, com propriedade, e às vezes com finura e superioridade, seu ofício, me parece um milagre. Eles deviam chegar à redação rinchando e dando coices — definitivamente emburrecidos, ao fim de algum tempo, pela caceteação interminável de todos os Aliomares e de todos os Baleeiros....