Aquela noite aconteceu que fui ao aeroporto. Chegava um avião de S. Paulo, isso me deu saudades, a noite estava linda e quando tenho 500 cruzeiros no bolso sou homem para tudo: embarquei assim, na raça, sem maleta nem escova de dentes. S. Paulo continua fazendo teatro e cinema, o que é excelente, e também conversando e discutindo teatro e cinema, o que pode ser até necessário, mas cansa um pouco o ouvido. O Museu de Arte continua a comprar quadros: o de Arte Moderna arruma sua Bienal que até o momento já tem 1.100 contos de prêmios. Dos países convidados já se sabe que virão, com certeza, França, Itália, Bélgica, Holanda, Suíça, Inglaterra, Japão, México, Estados Unidos e Uruguai. Assim graças a esse simpaticíssimo casal Yolanda e Francisco Matarazzo Sobrinho e seus companheiros de luta, o Brasil vai acontecer com violências, em outubro, nos meios da arte moderna internacional.
Encontrei os amigos fortes e as amigas belas, e todos bons. Domingo à noite a avenida São João vibrou em luzes e gritos com o gol de Liminha. Passei o dia na chácara de uma gente simpática e esportiva, mas não me permiti violências corporais superiores a meia-partida de pingue-pongue: a alma, entretanto, continua atlética.
Depois chegou um vento do sul, trouxe chuva, e eu resolvi embarcar nele, à noite, para o Rio. O novo aeroporto, ainda muito nu, e comprido, é antipático e triste: tive saudades do outro, que era apertado, mas alegre e cordial. Cheguei no Rio pela meia-noite, debaixo de chuva, fui até a avenida e peguei um lotação. Dentro dele estava Nássara, e contei a ele que lá em cima, onde eu viajara, além da chuva, estava um luar lindo, estrelas brilhando no céu azul; e, debaixo do avião, as nuvens gordas, alvas, enluaradas, como colchões de sonho...
Depois que Nássara desceu na esquina de Paissandu o chofer do lotação me pediu que lhe repetisse a história.
— “Tem mesmo luar lá em cima”?
Confirmei; sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma outra — pura, perfeita e linda.
— “Mas que coisa...”
Ele ainda curvou um pouco a cabeça para olhar o nosso céu fechado de chuva. Depois continuou guiando mais lentamente, não sei se sonhava em ser aviador ou se pensava em outra coisa. Mas quando eu saltei ele me disse um “boa noite” e um “muito obrigado!” tão cordiais, tão sinceros, como se eu lhe tivesse feito um presente muito grato ao seu coração.