13, sexta-feira. E pela manhã um jornal me dá uma notícia que me deixa amargurado, morreu, nesse terrível desastre de aviação de Aracaju, um amigo meu, Evaldo Coutinho. Revejo sua figura de adolescente tímido, no Recife de 1935, escrevendo sobre King Vidor. E penso em nossa esquiva, silenciosa amizade através desses anos todos. Talvez eu nunca o tenha procurado para uma conversa, nem ele a mim; mas sempre tive prazer em ver esse homem profundamente inteligente e delicado, quieto, organizado, eficiente que sempre foi uma de minhas admirações de homem desatento, estabanado e desigual.
Sabendo de sua morte fiquei com remorso de não tê-lo conhecido melhor, de não ter sido mais seu amigo.
Vou para a cidade, encontro Pompeu de Souza, falamos de Evaldo com tristeza. Mas logo depois encontro Lêdo Ivo e ele me dá a notícia de que houve um engano do Jornal: quem morreu deve ter sido um primo de Evaldo. Evaldo está vivo, tranquilo, silencioso e cordial atrás de seus óculos. Um abraço para Evaldo, e viva Evaldo!
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14 de julho, o povo dançará nas ruas de Paris, através das noites quentes e iluminadas. Penso em Beatrix Reynal, que revi outro dia, e está organizando a exposição de desenhos infantis — dos desenhos que sobraram daquele imenso concurso que ela, com um esforço monstruoso e gastando uma pequena fortuna, fez durante a guerra, entre as crianças brasileiras. E que algum sabotador criminoso deixou apodrecer, aos milhares, em um porão da embaixada francesa. Nenhum francês fez tanto pela sua terra, na hora da desgraça, como essa mulherzinha nascida no Uruguai. E poucos brasileiros terão feito tanto pela nossa gente doente e miserável, pelas nossas crianças pobres e tristes. 14 de julho, eu mando um aperto de mão a Beatrix Reynal.
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Circulo um pouco pela cidade, de manhã, resolvo umas coisas mais ou menos cacetes. E de repente, na Esplanada do Castelo, reparo nesta coisa simples: estou feliz. Não me acontece nada de especial; minha felicidade é gratuita, deriva destas coisas simples: o céu está azul, o sol está louro, eu estou andando na rua. Meu sapato é confortável, minha roupa é limpa, meu corpo está bem. Passa uma menina com uma fita nos cabelos; em um terreno livre há um grupo de mecânicos que aproveitam a hora do almoço para um bate-bola. A bola vem para o meu lado; devolvo-a com um chute, e meu chute é certo, e é saudado com um “oba!” por um dos homens de macacão, que pega a bola com a cabeça. Estou definitivamente feliz. Meus problemas de dinheiro, minhas tristezas, minhas aflições, nada tem importância. Posso amar a quem não me liga, fazer o que me desgosta, não fazer o que queria — mas neste momento sou apenas um animal feliz: o dia está lindo e eu estou andando com prazer de andar. Sou um animal feliz. E meu chute foi bonito.