Já se acaba o mês de janeiro, meu velho; e com ele um governo do qual tememos horrivelmente ter, um dia, saudades. Não pelo bem que ele fez, mas pelo mal que deixou de fazer. Enfim, ninguém sabe o que vem pela proa e o novo piloto sabe tanto quanto nós. Quem viver, verá. E isso eu pretendo fazer — quando mais não seja, por teimosia.

Recebi carta de um leitor que acha estranha minha ideia de se fazer, no estrangeiro, uma exposição de nossa arquitetura moderna em que poderia figurar também “o nosso barraco”. Acha que é uma loucura mostrar a esse povo de Paris como é uma favela brasileira.

Acontece, meu caro, que eu não escrevi barraco, escrevi barroco. Houve uma troca de vogais, que redundou em violenta troca de estilo, pois se o barroco é, por definição, enfeitado, o barraco é a expressão mais pura da arquitetura funcional. Se um barraco não funciona melhor, você bote a culpa na carência de espaço, e de material; quanto ao arquiteto, este demonstra, não raro, um senso prático, uma habilidade e uma imaginação de espantar. Não, não penso que devamos mostrar ao mundo o nosso barraco; mas creio que aos nossos estudantes de arquitetura não faria mal se, pelo menos uma vez, durante o curso, fossem levados a um passeio pelo morro. Eles não perderiam nada em conhecer a obra de alguns desses arquitetos improvisados: estudar como, dispondo de algumas tábuas e latas, eles enfrentam seus problemas, entre os quais estão o vento e a enxurrada. Creio que já foram feitos estudos sobre a habitação rural no Brasil; mas não conheço nenhum sobre esses milagres de equilíbrio que pertencem um pouco ao reino da arquitetura, um pouco ao do aeromodelismo.

Por falar nisso, não convém lembrar que anos atrás foi anunciado que iam acabar esses núcleos de miséria e doença. Pelo menos aqui pela Zona Sul estou apostando como eles aumentaram. Enfim, não se fala mais nesse problema; ele passou da moda. Nisso, meu caro, somos um povo extremamente feliz. De súbito nos assustamos muito com um problema qualquer, cuja gravidade se torna insuportável. Todo mundo começa a estudá-lo, e até saem brigas entre as diferentes pessoas que desejam resolvê-lo com o máximo de rapidez.

Depois, tudo cansa, e passamos a falar de outra coisa. O que não chega a ser uma solução para o problema; mas enfim, sempre distrai. Os sujeitos que insistem em falar daquele problema passam a ser considerados atrasados e cacetes: ninguém os ouve. Quanto à administração, esta é (não me troquem a vogal) barroca; é barroca por fora e rococó por dentro; e se não resolve nossos problemas pelo menos consegue fazer deles uma apresentação movimentada, imaginosa e brilhante, como um bolo de aniversário — enfeitado de letras O, com penacho ou sem penacho.....

rubem-braga
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