Os amigos mais pobres apenas pensam em comprar um terreninho a prestações, em algum lugar longe, mas simpático; e pensam, apenas. Os mais ricos querem construir ou comprar uma casa. Não sei porque me convidam a ir ver o terreno, ou a casa que pretendem reformar. Vou sempre. Tenho a consciência de que eles estão vivendo um momento grave; mesmo quando falam com decisão ― “vou derrubar isto, fazer uma puxada aqui, etc.” ― sinto que estão intimamente hesitantes. É como se eles mesmos estivessem se plantando no chão, depois de vogar por muitos edifícios. Olham em volta, vagamente desconfiados. Para não ficar o tempo todo calado, pergunto ao acaso:

― E aqui, o que vão plantar?

O amigo não chega a dizer nada, mas sua mulher responde logo, como se naquele instante mesmo estivesse pensando nisso; responde com precipitação, como se quisesse impedir que, uma vez levantada a questão, alguém pudesse admitir uma resposta diferente:

― Jabuticaba.

E me olha nos olhos. O amigo também me olha. Fico um instante calado, eles sabem o que estou pensando. Ela está vendo dentro da minha alma a mudinha da jabuticabeira murchar ou crescer raquítica, feia, estéril, em um clima impróprio. E acode logo, como se estivesse regando carinhosamente com sua palavra a planta sem viço:

― Você sabe que aqui perto, no outro canto do bairro, tem uma casa que tem jabuticabeira?

Explica que ela também pensou que não desse jabuticabeira por aqui. Pois dá, e muito bem. A questão é manter a terra sempre fresca. Um fio de água ali perto e a jabuticabeira crescerá em graça e beleza e seu tronco e seus galhos se cobrirão de frutas escuras e gostosas. Tenho vontade de fazer uma pergunta cruel, mas justificável, sobre uma possível escassez de água. Mas não quero judiar da jovem senhora. Sei que ela está sonhando em plantar aqui uma jabuticabeira de sua infância. Sei, porque eu mesmo plantaria um cajueiro ou um imenso pé de fruta-pão. Seu sonho é a jabuticabeira de Minas; talvez seja essa a primeira imagem que lhe tenha ocorrido diante da palavra “casa”; uma construção com jabuticabeiras.

Meus amigos estão ancorando. Um desses me disse, com melancolia, que fazendo sua casa tinha às vezes a estranha impressão de que estava fazendo seu túmulo. “Estou fazendo uma casa para viver nela, mas principalmente a casa onde vou morrer; você pense bem, uma casa é uma coisa agarrada no chão, uma coisa que se afunda no chão. É o chão, o sossego que estou procurando. Mas estou alegre por causa de meu filho menor. Esse não crescerá, como os outros, pulando de um apartamento para o outro. Terá uma infância de casa, de árvore, de pedra, de águas, de bichos, de chão; uma infância com cacarejar de galinhas. Eu... eu quero plantar uma mangueira aqui, perto da janela do meu quarto. Pensa que o terreno não dê para plantar mais mangueiras”...

Ele falava e eu revia, há muitos anos e muitas léguas de distância, a casa grande em que ele foi menino, a casa em que seu pai morreu, uma grande casa branca cercada de mangueiras gordas.

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