Sim, as meias nylon são melhores, e há coisas excelentes em matéria plástica, mas algo nos confrange no mundo sintético. As mãos e a cabeça dos homens são mais ágeis e rápidas que seu coração. Confesso que me trouxe alegria um telegrama de Melbourne, embora seja uma alegria irracional, de fundo romântico. Mas me precipito para vos transmitir esse despacho, que veio mal publicado num canto de página, e muitos não terão lido. Tenho a secreta esperança de que vos emocionará:
“Lãs levíssimas serão manufaturadas em Melbourne no ano que vem. Os novos tecidos são semelhantes a crepe georgette puro, mas são mais leves e finos. Tecidos numa base de algas marinhas, pesam cerca de 30 gramas por metro e prestar-se-ão para a confecção de roupa de baixo feminina, vestidos de baile e de coquetel. Embora quase transparentes, esses tecidos são extremamente resistentes”.
Isso me jogou no reino da poesia e me achei ouvindo Dirceu dizer a Marília:
...“das brancas ovelhinhas tiro o leite — e mais as finas lãs, de que me visto”.
Melbourne é na Austrália, terra de milhões de brancas ovelhinhas, de onde se podem tirar milhares de quilômetros de tecidos de lã. Mas na Baía de Vênus, no mar da Tasmânia, entre o Oceano Índico e o Pacifico, a onda clara move as algas. Ali, no fundo do mar, na branca areia, a verdureira de Alberti poderia colher algas para depois ir cantando seu pregão nas manhãs de Melbourne: “Algas frescas! Algas frescas de la mar”!
Porque, eis tudo. Talvez um tecido ainda mais leve e ainda mais resistente e quem sabe ainda mais lindo, talvez uma lã finíssima que fosse um sonho translúcido sobre o tenso corpo de vossa amada, pudessem os cientistas tirar não de algas, mas da batata, do carvão, do alumínio. A ciência está muito adiantada; e a ciência é implacável. Mas com um gesto desses ela nos reconcilia com a nossa própria tolice lírica, Marília, moça de Minas, de cabelos negros com seu corpo de 17 anos tão alvo e puro, que não sonharia Dirceu se a visse com seu vestido de algas passeando ao luar de Ouro Preto?
Talvez a levasse para Mar de Espanha, onde a verdureira de Albert passaria cantando pela manhã, depois da noite de amor, seu pregão de algas marinhas. (São todos sonhos vindos de Melbourne).