É tão criança ainda: trabalha como “boy” em um escritório; e quando a moça secretária lhe perguntou o que ele queria ser quando homem ele não disse que queria ser aviador, nem sorveteiro, nem artista de cinema, nem presidente da república. Respondeu sério, respondeu pensando, como respondem os meninos que desde demasiado cedo trabalham:

— Torneiro.

E explicou que um bom torneiro ganha bem; e é um trabalho que ele acha bonito. Outro dia ele confessou à moça:

—  Gosto muito quando a senhora me manda apanhar sua bolsa e as luvas.

— Por quê?

Porque sua bolsa é boa da gente pegar; e a luva, também, é tão macia.

Não tem pai nem mãe; mora com a velha avó, que é engomadeira. A moça lhe perguntou qual a primeira coisa que ele compraria se ganhasse um dinheiro na loteria: um automóvel, uma motocicleta? Respondeu sempre sério: um costume azul-marinho. A moça batalhou com os patrões, arranjou para ele uma espécie de uniforme azul-marinho. E me conta:

— Foi uma das boas alegrias da minha vida, sair com ele, ir a uma casa na cidade, escolher sua roupa.

E na sua gíria pitoresca:

— Existe o gerente me dizer que eu pareço comunista? Eu disse para ele: você é o fim, você é o phyn, com pê, agá, ypissole e êne! Você acha direito haver criança pobre?

*

Não, não creio que essas moças consertem o mundo. Apenas eu as amo. Se essa menina de 17 anos me trata com o mais sábio desprezo, recolho-me à amizade da outra, de 21, murmurando: “meu consolo é o sorriso da velhinha”. E Di Cavalcanti me conta:

— Eu estava jogando buraco com uma argentina e ela ficou irritada porque toda hora eu tinha coringas na mão: “pero usted tiene muchos comodines”.

Os homens enchem nossa cabeça de histórias vãs; na verdade só as mulheres nos ensinam as coisas. Eis que aprendemos uma palavra vital: “comodines”. É duro batalhar nesta vida sem “comodines”; e vosso sorriso, jovens belíssimas, são nossos “comodines” sentimentais no jogo tão mal embaralhado desta vida.

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