Jiro Takahashi na biblioteca Mário de Andrade, São Paulo-SP, sem data. Foto de Guilherme Ziggy.
A coleção “Para gostar de ler”, publicada pela editora Ática na década de 1970, é uma das mais importantes iniciativas editorias para a crônica, pois difundiu o gênero nas escolas de maneira irreversível. Alunos de todo o país tiveram contato com a obra de Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga numa seleta generosa que acompanhou os cinco primeiros volumes da coleção.
Com o sucesso de vendas, a coleção foi expandindo seu escopo e publicou também coletâneas de poesia, contos e mesmo de cronistas mais jovens, como Luis Fernando Verissimo e José Carlos Oliveira. O responsável por tudo isso foi Jiro Takahashi, então editor da Ática e atualmente diretor executivo da Nova Aguilar. Conversamos com ele sobre a história dessa inesquecível coleção que marcou várias gerações de leitores.
1. Como foi concebida a coleção “Para gostar de ler”?
No meio da década de 1970, a Editora Ática já era uma grande editora didática e procurava diversificar suas publicações, principalmente nas áreas literária e ensaística. Sem contar ainda com uma boa entrada na imprensa, mas com uma estrutura de divulgação escolar muito consistente na medida do possível, a editora procurava preferencialmente a literatura que circulasse em escolas também.
Dentro da editora, sempre houve uma ideia de se trabalhar com crônicas porque os mais conhecidos cronistas estavam presentes nos livros didáticos de português e literatura. Alguns desses livros vendiam centenas de milhares de exemplares. Como não publicávamos livros de crônicas para o mercado de livrarias, não tínhamos ideia de qual era sua vendagem.
Um dia recebo um telefonema de um grande amigo, professor e poeta, Affonso Romano de Sant’Anna, contando que Rubem Braga andava frustrado com a baixa vendagem de seus livros. Esse fato me surpreendeu muito. Eu imaginava o contrário, por isso nem pensaria em procurar um autor dessa envergadura para a Ática. Incentivado pelo Affonso, fomos procurar o Rubem Braga e o Fernando Sabino.
A partir da conversa com os dois, levantamos mais dois nomes de grande peso: Carlos Drummond de Andrade e Paulo Mendes Campos. Os quatro cronistas juntos estavam presentes em praticamente todos os livros de português para o nível a que chamamos hoje Ensino Fundamental II.
Como eles eram autores da Record, tive de negociar a subcessão de direitos com Alfredo Machado, um dos maiores editores do país. Os nossos interesses apontavam para o mesmo sentido, e por isso ele foi muito compreensivo e aceitou a nossa proposta.
2. Como foi a escolha das crônicas?
Dentro da editora, já era prática comum a prospecção de autores e obras com ajuda de professores e estudantes. Foi isso que fizemos com as crônicas. Selecionávamos algo em torno de 20 de cada autor e fazíamos edições experimentais de umas 500 cópias para que os estudantes escolhessem as crônicas mais interessantes. Os professores nos ajudavam sugerindo os níveis a que devíamos destinar cada conjunto de crônicas.
3. Como foi a relação com os cronistas durante esse processo? Alguma curiosidade que possa contar?
Os autores acompanhavam a seleção dos estudantes, às vezes surpresos com as escolhas. Auxiliaram muito na edição, com alguma atualização de expressões que estavam muito datadas e com a validação final do texto para a impressão.
Eu me lembro de que Drummond chegou a alterar o título de uma crônica, que fazia sentido na ordenação do seu livro, mas que na nossa coleção perdia um pouco de sentido.
Outro pequeno fato curioso para a época foi que, no volume 1, havia uma foto de página inteira de cada cronista. A seleção das fotos seguia um critério de qualidade da imagem. Havíamos escolhido a foto de Fernando Sabino fumando, com o cigarro na mão. No momento da validação das provas finais, encaminhamos as provas para os autores. Quando Sabino viu, pediu que trocássemos a sua porque, como o público preferencial era de jovens, alegou que não ficava bem aparecer fumando. Naquela época ainda não havia essa preocupação, inclusive era comum vermos professores fumando dentro das salas de aula, diante das crianças. Esse cuidado que Sabino teve na edição chamou muito a nossa atenção. Afinal, ele era também um grande editor, pois tinha fundado a famosa editora Sabiá com Rubem Braga.
Eu me beneficiei muito com as conversas que pude ter com os quatro cronistas porque eles eram autores com grande experiência editorial e foram muito generosos em compartilhar esse conhecimento.
4. Cada um dos cinco volumes trazia um conteúdo complementar, como, por exemplo, um depoimento dos autores. No quinto, temos o ensaio “A vida ao rés do chão”, de Antonio Candido, que logo se tornou um clássico. Como foi o processo dessa encomenda?
Quando planejávamos a coleção, projetamos o primeiro bloco de volumes para atender aos 4 anos do atual Fundamental II, e o quinto volume procuraria atingir o público geral, não só estudantil. Pedimos ao Antonio Candido, que já era próximo da editora por conta da coleção “Ensaios”, que escrevesse um texto para fechar esse primeiro bloco. Gentil como sempre, ele apoiou a iniciativa e produziu aquele maravilhoso ensaio.
Nas conversas com ele sobre a relevância da crônica, aprendi que a aparente "irrelevância" do gênero era espantosamente a "relevância" do gênero, mais ou menos na linha do que dizia Engels sobre como conhecer a sociedade francesa do século XIX. Com outras palavras, naturalmente, ele defendia que o melhor material para entender o éthos da sociedade francesa era A comédia humana de Balzac. Então, de certa forma, um bom meio de entender o éthos do brasileiro seria ler o país no conjunto das crônicas que são publicadas em nosso cotidiano. Por isso, penso que, se algum legado puder ficar da coleção, que seja esse registro.
*Entrevista realizada por Guilherme Tauil.