Essa história de uma senhora que encontrou o marido na rua na companhia de outra e o matou é, sem dúvida, o crime perfeito. É tão perfeito que sabemos tudo sobre ele: as palavras trocadas, os gestos, o local, a hora, os precedentes, as pessoas. O velho marechal vem depor, abatido pela desgraça: o pai da senhora presa a defende e, sob a luz cruel da publicidade, toda uma história dolorosa e banal se revela aos poucos. Tudo se revela. Menos um detalhe, que não apenas se ignora, mas se esquece: o nome do culpado, o principal autor desse crime.

Se nas tragédias de sentimento nós todos somos um pouco os cúmplices e as vítimas, há, neste caso, uma pessoa que nada sofreu e nada sofrerá. Deixando de lado esses personagens cujos nomes aparecem nos jornais, é a essa pessoa anônima que eu quero me dirigir — a essa pessoa de quem não se sabe nem se é homem ou mulher.

Pessoa anônima.

Meus cumprimentos pelo êxito de seu lindo serviço. Seu telefonema foi uma pequena obra-prima de simplicidade e eficiência. Apenas discar e dizer à senhora: se quer encontrar aquele homem em companhia daquela mulher basta ir a tal hora a tal local. Então você depôs o gancho, e assobiou um samba do último carnaval ou acendeu, sonhadoramente, um cigarro. Estava feita a coisa. E como foi bem-feita! Não foi preciso esperar nem hora e meia para que todas as estações de rádio começassem a contar à população a cena de sangue. Depois vieram os jornais, recheados de fotografias e detalhes. E toda essa avalanche de palavras, essas vozes trêmulas que recordam histórias, e, no momento da tragédia, as frases de ódio e desespero, e os gemidos de dor e o pranto convulso — tudo, você sabe, começou com aquelas suas breves palavras.

Você deve estar feliz e com a consciência limpa. Você deu uma informação certa, que foi perfeitamente confirmada.

Toda manhã, com um sorriso satisfeito, à hora do café, você deve ler os jornais — e gozar lentamente o desenrolar da história, tomar conhecimento, com delícia, dos novos depoimentos e acompanhar tudo o que vai acontecendo. Talvez você diga a uma pessoa amiga: “viu hoje, no jornal? Meu Deus, quanta história, quanta sujeira”! E você dirá isso com a calma superioridade, com a perfeita limpeza moral de quem jamais se envolve em histórias assim. “Leu esse depoimento de ontem? Qual, este mundo está perdido”! Não totalmente perdido — pensará você no fundo — pois ainda há pessoas corretas e limpas que dizem as coisas como elas são — como é o seu próprio caso. Pessoas virtuosas que não admitem nenhum desvio de moral e não fecham os olhos nem a boca numa cumplicidade covarde com os desmandos alheios — mas querem saber a verdade, e indagam, e vigiam, e verificam, e, no momento preciso, dizem a coisa exata. Meus parabéns, oh anjo defensor da pureza dos costumes. Você certamente continuará nesse anonimato modesto, sem alardear seu próprio mérito, pois nenhuma recompensa poderia ser superior ao sentimento do dever cumprido. Os fatos mostraram que você tinha razão: ele estava lá, com ela. Sim, você tinha razão: o rádio o confirma, a imprensa também, e também esse corpo do homem morto, essa mulher na prisão, essas famílias atingidas pela dor e pelo escândalo, essa criança órfã. Seu serviço foi lindo, perfeito: talvez a mão daquela mulher tenha tremido ao puxar o gatilho, mas você não treme: sua voz ao telefone era firme e tranquila, precisa e clara, até ligeiramente alegre. Sua voz de anjo — e de hiena.

rubem-braga
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