Você sabe que eu quase não saio à noite: mas acontece que às vezes o trêfego Antônio Maria insiste muito, e lá vou eu; ou então o Sergio Porto me telefona dizendo que a Blanche foi vista no Michel, e lá vou eu.

Depois por exemplo me encontro com dona Araci de Almeida, ou com dona Linda Batista, e me ponho a ouvi-las, e a noite passa, e quando volto à minha água-furtada o pintassilgo já está cantando no galho.

Linda vai cantar agora no Casablanca, onde Fernando Lobo está tendo boas ideias, uma atrás da outra. A primeira foi Caymmi, a quem Adalgiza mandou dizer que a Bahia está viva ainda lá, que não morreu, que está lá... Só essa toada de Caymmi valeria o “show”, essa e “Bahia de São Salvador”. E no Monte Carlo Silveira Sampaio está excelente, e as moças são mais bonitas que em qualquer outro local deste estremecido país.

Estremecido é uma palavra estranha: a gente gosta de uma nação ou de uma pessoa e ela começa a estremecer, fica estremecida, talvez fique até estremecida com a gente. Desde menino que essa coisa me invoca. E o dicionário diz que há o verbo estremecer no sentido de “amar enternecidamente”. Eu te estremeço, Blanche: por que não me estremeces um bocadinho? Vamos nos estremecer eternamente, querida! Sempre gostaria de ver o Aurélio Buarque de Holanda dizer isso; porque fazer um dicionário é uma coisa, e acreditar nele é outra. Mas pela uma da manhã o que pode fazer de melhor é estar no velho Vogue para ouvir Silvio Caldas. “Meu nome é com i” — ouvi ele dizer outro dia a um amigo que estava tomando nota de seu telefone. Acho que vou aproveitar isso no título de uma entrevista que pretendo fazer com ele.

No fundo, porém, meu programa é dormir cedo, ler os bons autores, ouvir música fina e fazer um pouco de ginástica sueca; além disso trabalhar com método e perseverança para formar um pequeno pecúlio capaz de me propiciar uma velhice modesta, porém tranquila. Blanche, porém, sorri, olha meus cabelos brancos e diz uma coisa terrível: “qual! agora é tarde para dormir cedo”.

O remédio é chamar o garçom e pedir mais um.

rubem-braga
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