“¡Quien  supiera escribir!”. A exclamação, de um verso de Campoamor, me vem à lembrança às vezes ― como neste momento em que eu tanto precisaria dizer tantas coisas e não sei dizê-las. Esta é a terceira ou quarta vez que ponho o papel na máquina e começo a escrever; mas sinto que as frases pesam ou soam falso, e as palavras dizem de mais ou dizem de menos, e a escrita sai desentoada com o sentimento.

 

Se eu soubesse escrever poderia, da maneira mais simples, dizer algumas coisas tão sentidas que as duas mulheres em que estou pensando neste momento me leriam em silêncio e compreenderiam, e guardariam por mim isso que não quero perder de uma nem de outra; este sentimento para o qual não encontro uma palavra certa, e que prefiro exprimir com uma palavra meio vaga, inexata e quase morna, a palavra estima. Pensei, antes, na palavra ternura; mas ela tem alguma coisa de mole, de abandono animal; e pensei na palavra amizade, que poderia exprimir muito, em sua simpleza; mas é exatamente, em um caso e outro, aquilo de que estou me negando, aquilo de que estou fugindo, porque me sinto incapaz.

 

Isso, que acabo de escrever, me magoa: dizer que me sinto incapaz de ter amizade por uma dessas pessoas. Não, não é isso; o que me é difícil não é a amizade, é o jogo da amizade, é a prática diária da amizade ― tão doce, em certos momentos, mas tão penosa em outros, quando sentimos que, por mais que não o desejemos, há outros sentimentos que dão a cada palavra, a cada gesto amigo, um tom diferente.

 

De uma não quero, não posso ser amigo, porque a mim mesmo pareceria que essa amizade seria para mim uma astúcia triste, uma longa espera, uma tocaia permanente, à espreita de um momento de abandono ou de tonteira, de uma veneta sentimental. De outra não quero, não posso ser amigo porque sinto, sem ela me dizer, que, em relação a mim, ela está quase na mesma posição em que estou em relação à outra. São tristezas diversas, mas irmãs: e se às vezes esse jogo me prende e me comove, ele acaba doendo e ficando triste demais. Devo estar velho; sinto alguma coisa que, à falta de nome melhor, chamarei de gastura; uma gastura sentimental, feita de melancolia e de aflição.

 

Releio isso que escrevi acima e vejo que está quase ridículo e ao mesmo tempo frio como um esquema. Teria sido melhor não escrever nada. Não, não é verdade; teria sido melhor escrever, mas escrever com o sentimento tão fundo e a mão tão leve que, que... não sei dizer o que quero, ou talvez não queira dizer o que sinto ― não sei, não quero nada.

 

“¡Quien  supiera escribir!".

rubem-braga
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