São dois pinheiros altos, e atrás deles o mar. Na linha do horizonte as ilhas parecem estar boiando, nessa luz indecisa da manhã de inverno.

O homem lança um olhar apressado à paisagem cheia de vento e de sol, e se volta para o interior do apartamento; precisa providenciar as instalações elétricas; um amigo lhe disse uma coisa horrendamente prosaica, a saber: convém trocar o ralo do chuveiro por um desses que se pode fechar, por que assim é evitado o ingresso de baratas.

É preciso pensar nisso; e também onde colocar o telefone; e em providenciar o telefone para ser colocado. É claro que se faz necessário mandar encerar o apartamento: alguém disse que conhecia alguém que encera bem apartamentos; é preciso portanto lembrar quem é o primeiro alguém, para chegar ao segundo alguém. Por outro lado, é indispensável fazer o depósito de gás. Assim como está, com alguns móveis nus, sem um quadro, sem um livro, nem nenhum rastro de presença humana, o apartamento não é uma habitação, é um árido esquema. O colchão não veio? Mas ficaram de mandar trazer no sábado, sem falta. Ali está a cama nua: ali, homem, em breve dormirás, sonharás, morrerás talvez, quem sabe?

Assim, dentro do apartamento, só existem problemas; entediado, o homem se volta para a varanda, para o mar. Em alguns minutos houve um movimento de nuvens e de luz; há manchas verdes, três ou quatro, perto das ilhas que estão mais nítidas; parecem ter se erguido um pouco no horizonte. Que planura terrena, que montanha imponente, que paisagem no mundo vale o mar? Não o mar do alto-mar, mas esse mar de costa e de ilhas, sempre investindo sobre as pedras e sobre as terras, esse que leva homens e coisas dos homens, que recebe plantas que descem os rios boiando, esse mar humano e vivo, e, entretanto, batendo aos nossos pés a canção do eterno, chamando para o desconhecido, anunciando ao nosso mundo que este mundo não tem fim.

Chega o porteiro, fala algumas coisas sobre calafates e ladrilhos, água e contrato. O homem desce lentamente, vai andando, encontra um amigo na esquina, o amigo pergunta se é verdade que ele agora vai morar ali no bairro, em que apartamento, como é o apartamento. Ele responde qualquer coisa, diz que é um apartamento pequeno, que ainda está arrumando, que não tem habite-se, mas consigo mesmo, ele pensa apenas: são dois pinheiros grandes e atrás deles o mar.

rubem-braga
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