Ouça a crônica de Rubem Braga na voz do ator Daniel Braga.

Sábado de tarde na cidade, da janela de um vigésimo andar, a gente descobre essa vida inesperada e humilde dos terraços. Famílias de zeladores de prédio, quartos de empregados de hotel, mulheres passando roupa ou se penteando perto da janela, crianças que brincam entre as nuvens, tão quietas e remotas como em um quintal de subúrbio ― tudo é paz.

Em alguns terraços há uma tentativa de volta a Minas, com vasos de plantinhas, moças a cantarolar retirando roupa da corda ― e no lugar de galinhas cacarejando há pombos que esvoaçam de um prédio para outro. Em alguns terraços há casinhas onde seria possível escrever “Lar de Elvira”, tão rendado é o pano da mesa que se entrevê pela janela, tão chorosa é a criança de carinha lambuzada e tão silencioso é o gato que salta do etagere para a mesa sem quebrar as duas horrorosas, mas necessárias, estatuetas em barro do Gordo e do Magro.

E sempre, de alguma janela, a gente vê um trecho do aeroporto: parece tão lenta a descida desses aviões, tão suaves as nuvens brancas espalhadas pelo céu de um azul estranhamento delicado que dá vontade de viajar para qualquer cidade, ou invejar alguém que estará neste momento chegando ao Rio, depois de meses de ausência.

Mas do outro lado fica, entre árvores gordas e palmeiras finas, aquele remorso de não morar em Santa Teresa. É verdade que a gente vive sem pensar em Santa Teresa e Santa Teresa é um dos lugares do Rio que menos existe. Quando a gente vai a Santa Teresa tem sempre o ar meio disfarçado de quem de repente saiu do asfalto do presente para retomar o bondinho da infância, e fica olhando cartões postais e pensando à toa debaixo das jaqueiras.

Há pessoas, como Pascoal, que dizem que moram em Santa Teresa, mas, no fundo, ninguém acredita. É mesmo difícil imaginar que em Santa Teresa haja, por exemplo, eleições ou recrutamento para o serviço militar. E é talvez por isso mesmo que numa tarde de sábado, quando o vento é fresco e os pombos passeiam nos terraços, entre cuecas e meias coloridas que se agitam nos pegadores, e o coração está sereno, é bom imaginar que se tem um certo remorso de não morar em Santa Teresa, e talvez mais tarde, como todo mundo que vive no Rio, a gente pensa inutilmente em morar um dia em Santa Teresa, entre galinhas, árvores, redes, crianças, mulher... Mas em que remoto mundo se esconde, em que estrela ou esquina vagueia, essa mulher que levaríamos pelo braço, docemente, para morar em Santa Teresa.

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