O homem da portaria ia escrever um número diante de seu nome, mas ele o deteve:

— Por favor... o apartamento 18 está livre?

O homem correu os olhos pelo livro:

— Está. Mas temos um melhor, o 34.

— Prefiro o 18. Já morei aqui, há muitos anos...

Foi com emoção que subiu, precedido do garoto de uniforme que levava sua valise, a escada velha e escura. Depois o corredor. No meio do corredor, uma claraboia fazia uma zona de luz — então ele se lembrou distintamente da mulher que cinco anos atrás viera tantas vezes ao seu apartamento no hotel, se lembrou de um certo vestido azul de verão, e do passo daquela mulher, o som de seus saltos altos no piso do corredor. O menino abriu a porta, deixou a valise, perguntou se ele precisava de alguma coisa. Não.

Sozinho, fechou a porta por dentro e abriu uma janela. Abriu-a como antigamente, só uma banda e apenas a metade, prendendo-a com uma ponta da cortina dobrada. Olhou a casa do outro lado da rua; viu, então, que estava pintada de novo; não saberia dizer se a sua cor antiga era outra ou aquela mesmo. Lá embaixo, na calçada, um menino ruivo olhava, com uma atenção absurda, uma vitrina pobre e sem graça, com chapéus e luvas de mulher.

Voltou-se para o interior do quarto. Era o mesmo papel de parede, a mesma grande cama, e o imenso armário escuro e a poltrona, a mesinha. Entrou no banheiro, deu alguns passos, voltou, andou pelo quarto, como se procurasse vagamente alguma coisa.

O quarto lhe parecia de algum modo menor. Deitou-se na cama vestido, cerrou os olhos. Podia ouvir os passos de alguém que subia a escada lá dentro; mas mesmo que fosse há cinco anos atrás esse ruído não o sobressaltaria: não podiam ser os passos de sua amada, eram os de alguém que pisava mais devagar e menos firme. Lembrou como reconhecia seus passos na escada, depois nos ladrilhos do corredor; quando ele abria a porta e ela entrava seus saltos faziam um ruído mais baixo e mais grave nas tábuas do assoalho. Admirou-se de ter guardado na memória tão nitidamente esses sons, e também a visão daquele vestido azul, que entretanto ele nunca achara muito bonito. Mas era de vestido azul que a revia, avançando pelo corredor, atravessando a zona mais iluminada pela claraboia, que então avivava a cor de seus cabelos e do vestido. Um vestido azul avançando, vindo para ele — e os olhos, e a boca — “eu me atrasei muito”?

Levantou-se e, sabendo que fazia uma coisa absurda, infantil, abriu a porta, como se a esperasse ver no corredor. Quem o visse fazer essas coisas, e soubesse daquele romance antigo pensaria que ele estava louco de saudades. Sorriu a essa ideia. Na verdade, tudo passara; cada um seguira um rumo na vida, ele tivera outros amores, e haviam lhe contado que ela também. Mas tendo de passar um dia naquela cidade lhe dera na fantasia, quando saltava do avião, de ir para aquele hotel modesto na ruazinha quieta, que ninguém conhecia, naquele bairro pouco falado da cidade imensa. Pegou o telefone, pediu papel para escrever. Quase na mesma hora se arrependeu. O garoto veio lhe trazer o papel e o envelope com o timbre do hotel. Pensara em lhe mandar um bilhete qualquer, com uma saudação convencional, só para que ela visse o nome do hotel, soubesse que ele estivera ali. Podia mesmo, atrás do envelope, onde se põe o nome do remetente, escrever seu nome, o do hotel, e acrescentar: apartamento 18.

Refletiu um instante: era um gesto sem sentido, depois de tanto tempo de silêncio. Fazer aquilo seria uma impertinência, uma indiscrição — essa espécie de indiscrição que consiste em lembrar um segredo antigo, já sem razão de ser. Ela talvez achasse graça; mas seria pouco delicado, quase uma brincadeira de mau gosto, lembrar o quanto ela fora sua. Deixou o papel sobre a mesa, saiu, fechou a porta e desceu a escada, parou um instante na portaria para deixar a chave e seguiu pela rua calma caminhando para a praça movimentada onde tomaria um táxi. Caminhando devagar, muito devagar, como se ela tivesse ficado lá no apartamento 18 e lhe custasse abandoná-la. 

rubem-braga
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