O mar estava tão manso que as velas brancas saíram da baía e foram passear lá longe, no mar largo, além das ilhas. Há muito tempo eu não via essas velas brancas no horizonte, nem essas ondas tão suaves desmaiando na areia. Havia apenas uma brisa ligeira, na manhã perfeita, e tudo, na água e no ar, lembrava a antiga e boa palavra bonança.

Viver há muitos séculos, conhecer uma formosa moça chamada Bonança; amá-la doce e longamente, e ser feliz devagar, na vida mansa, até um dia morrer como quem adormece feliz com muito sono. Sem querer, eu ouvi pedaços de conversa de dois namorados que olhavam o mar. Eram mineiros, de alguma cidade perdida além das montanhas; estavam vestidos de branco; falavam, riam, depois ficavam calados, de mãos apertadas, um ar quase triste, olhando o mar.

— Você, que é de Caratinga... 

— Caratinga, não; Carangola! 

A conversa era quase pueril; quando eu me afastei, o rapaz estava passando a mão devagar pelo rosto da moça. Deixei o terraço: lá embaixo, no bar, um casal maduro, de short, tomava gin tônica. Senti-me na situação desagradável de um espião involuntário; eu estava, sem querer, ouvindo outra vez a conversa de um casal. Discutiam sobre alguém.

Um grande tédio me veio de repente, como se a minha vida fosse como a vida daqueles dois homens, perto daquelas duas mulheres.

À noite, eu havia de encontrar o rapaz acusado de assassínio. Um amigo me apresentou a ele. Conversamos muito tempo. No fim o amigo me perguntou se eu não achava que ele era mesmo inocente. “E ele seria capaz de matar um homem?” Respondi apenas, com sinceridade, que achara o rapaz simpático, e fazia votos para que ele não fosse culpado.

Fora, no mar da madrugada, um vento frio já assanhava as águas. Não havia mais vela nenhuma; nem velas, nem namorados de branco, nem casal de short, nem gente no bar. Não havia mais gente nenhuma no mundo, nem amando, nem discutindo, nem matando, nem morrendo. Era apenas o mar — solto, largo, selvagem, limpo. E então senti um grande consolo e uma paz estranha.

rubem-braga
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