Amanheceu o mais claro sol no mais azul dos céus, o que, para um homem de bem que levanta cedo e abre sua janela, dá sempre uma impressão de festa, de maneira que meu amigo sentiu isso e disse de si para consigo, visto que no momento não dispunha de pessoa mais interessante com quem pudesse conversar: “ora pois, uma bela manhã: cantarolares no chuveiro, e cortarei as unhas dos pés e das mãos, mandarei aparar corretamente esse bigode: e vejo que estou há quatro dias usando o mesmo costume de casimira; ora, sair com aquele tropical que deve estar bem limpo, e usarei uma gravata alegre, não escandalosa... mas bastante nova e bastante alegre para servir de cartaz no meu peito, fazendo saber aos transeuntes: “Atenção! Lá vou eu, sou a gravata alegre anunciando que este homem acordou de coração vivo e peito limpo e que ele agradece ao Sol o brilho que vê nas folhas das árvores e na curva das ondas”.

Saiu. E tendo descoberto (coisa que havia esquecido) que a terra é bela, isso lhe deu uma vontade de viajar, de ir a S. Paulo ou Paquetá, sair um pouco da rotina dos seus dias feios. Viajar alegremente, sem ser para fugir de mulher e sem ser atrás de mulher, viajar tão gratuitamente que poderia mesmo ir a Belo Horizonte, e amaria, neste momento, estar saltando em Barra do Piraí — certamente então andaria pela beira do rio, ele que ama os rios, sem outro pensamento além deste: ora pois, aqui estou eu olhando o rio Piraí. De súbito pensou: eis uma belíssima, sensacional manhã para assistir a uma pororoca, deve ser impressionante, uma bela pororoca num dia de sol quando irei ao Amazonas, e em que dia de que mês e de que lua costuma haver pororocas?

Saiu para a rua, com sapatos leves, feliz de andar. O que ficara para trás era a noite — toda a vida passada, toda tristeza e desejo vão. Salve a bela manhã — pensou ele — e se sentiu tão simples e sadio como um bicho inocente.

rubem-braga
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