Eu estava deitado na areia, e quando abri os olhos eles ficaram tontos de sol. A onda de espumas galgara, num ímpeto, uma dessas ondas de areia que a água e o vento formam nas praias de mar aberto; estavas de pé ali, e as espumas te cobriram os pés.  Assim, alta, sobre o fundo do céu azul, com teu corpo esgalgo e insensato, eras uma figura antiga, surgida, úmida da beleza, das lendas imemoriais do mar. O mar, escultor de estranhas deusas. 

Passa um navio branco, muito grande, bojudo; vem do sul. Com certeza vai entrar na baía. Vai entrar todo branco, abrindo asas de branca espuma, desenrolando no ar, como um penacho feliz, um rolo de fumaça branca. O convés está cheio de gente que olha as praias, o casario, as montanhas. Sede felizes! Este é o desejo ingênuo que nos dá, dizer a esses forasteiros que pela primeira vez entram em nossa baía, entre as montanhas azuis; dizer alto: aqui é o Rio de Janeiro, é a nossa bela cidade; é para vós que ela hoje brilha ao sol; sede felizes! 

E ter inveja dos que chegam pela primeira vez, vindos do mar, ao Rio de Janeiro. 
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Porque em nossa infância, no interior, não se dizia: Rio. Foi de repente que surgiu essa moda, as pessoas que vinham e voltavam diziam apenas com intimidade Rio. 

Mas nós, debruçados sobre as fotografias em cores e os presentes que nos levavam, nós dizíamos, com um ar de sonho e um tom de respeito: Rio de Janeiro. 
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E de tudo o que havia no Rio de Janeiro o que mais nos acendia a imaginação, o que tinha mais prestígio aos nossos ouvidos, e se erguia no ar, numa arquitetura de sonho, entre luzes e estrelas e odaliscas seminuas era – o Pavilhão Mourisco. 

O Pavilhão Mourisco foi derrubado, ao fim de uma velhice de longas melancolias. Mas às vezes, quando passo por ali, ainda tenho essa fantasia de dizer a alguém que chegasse do interior, algum rapazinho que pela primeira vez pisasse no Rio de Janeiro: ali, naquela curva, antigamente, no meu tempo era – o Pavilhão Mourisco.

E dizendo isso, tomar o ar de um velho senhor que viveu bem a sua vida, mas não gosta muito de falar. 

rubem-braga
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