O que pode acontecer num domingo está no céu, sobre a cidade e o mar, como um pressentimento. Na verdade, é o melhor dia para uma grande desgraça; pois nos outros dias a desgraça colhe um indivíduo no meio do trabalho e fica poluída pela pressa dos horários. Antes de se abater sobre a mesa e, como um bêbado, chorar, o homem ainda ultima um gesto de trabalho, e os ciclistas dos armazéns não podem erguer os braços para fazer lamentações aos brados: os advogados, ainda que feridos no seu mais íntimo, não esquecem a pasta, antes a premem contra o corpo como se fossem náufragos; a moça que vende bombons, no instante mesmo em que sente um aperto da garganta e o ardor das lágrimas irreprimíveis nos olhos, ainda responde ao freguês, com a voz sumida, mas audível: “60 cruzeiros o quilo”.

Bom para a desgraça, é o dia do domingo excelente para a alegria; diz o povo que não há domingo sem sol: e não há. O sol dos domingos é feito da cândida comunicação dos paisanos e suas famílias; ele brilha nos balões de borracha coloridos, para o qual se alteiam as mãozinhas das crianças; brilha nos olhos líquidos, limpos, da moça que toma sorvete; e abençoa os telhados sob os quais o nosso sonho arma redes em que morenas vestidas de branco se espreguiçam lentas. Essas têm os olhos negros, dentro dos quais há mistério e indolência. E se situam bem nos domingos imaginados e vividos em que sentimos vontade de comer araçá e nos lembramos de pitangas ― durante a semana ninguém se lembra de pitangas, nem de pitangueiras: entretanto, num domingo, a gente pode, por exemplo, inventar que tem um sítio com pitangueiras e despertar na moça uma confissão ao menos: “adoro pitangas”, dirá como se estivesse contando a infância.

No domingo, os homens gordos ficam mais felizes, porque não há pressa; e os magros, depois do almoço, sonham que estão engordando discretamente. O marido e a mulher se enganam muito suavemente no domingo ― pois, como não podem inventar negócio nem hora de dentista, eles se enganam fazendo-se crer mutuamente que estão felizes em passar o dia inteiro juntos: quando vem a tarde, eles parecem irmãos, e têm paz no peito.

A luz nas tardes de domingo é sempre maternal; ela nos convence de que é bom que anoiteça; é como se uma rolinha ficasse imensa e abrisse as asas sobre nós. E no domingo o homem dentro do pijama, ouve esse eco da infância, com seu gosto de merenda e de domingo: “Liberda-ade, Liberda-ade abre as asas sobre nós...”. E adormece.

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