Passei a página distraído, depois deixei de lado o jornal para ler outro, mas de toda aquela variedade de notícias de guerra, desastres, crimes e entrevistas com elementos destacados das classes conservadoras, o que me ficou na memória foi esse título de uma notícia que não me animei a ler: “aos 95 anos quer trabalhar na agricultura”.

Não sei se esse velho é um antigo lavrador ou é alguém que, antes de morrer, resolveu mudar de ofício. O que talvez me prendeu a atenção, ou me soltou a imaginação, nesse título foi essa saudade da terra que vive no fundo de todo cidadão. Saudade que pode não vir da vida da gente mesmo, que pode vir de mais longe, do homem antigo que pisava o chão com o pé descalço. Saudade que leva o caixa de banco, filho do amanuense do ministério, nascido e criado e vivido no asfalto, a fazer economias miúdas para comprar um sítio a prestações – um sítio cujo anúncio no jornal de domingo soube cativar seu urbano coração. Não importa que ele chegue à conclusão de que o lindo terreno, em uma região saudável e encantadora, a 20 minutos do Rio, fica, na realidade, a 40 de Cascadura, e é um triste e quente brejo entre dois morros. De qualquer modo, os mosquitos, os carrapatos, as decepções e as formigas o esperam. Mas o caixa, heroicamente, lutará para fazer sua casinha e sonhará, na quarta-feira, com a penosa viagem suburbana do sábado como se já tivesse uma passagem reservada para a Pasárgada.

Há urbanos que se arriscam a aventuras maiores, e sonham em trocar para sempre o escritório por uma fazendinha “que por enquanto está comendo dinheiro, mas pode dar uma boa renda” e lê com um olho lírico a revista que traz um artigo que explica perfeitamente o quão rendosa pode ser a cultura intensiva da alfafa ou a criação racional de galinholas.

Assim sonham os homens da cidade – e não despertam nem quando seus passos distraídos são ameaçados por um caminhão cheio de homens da roça que estão chegando ao asfalto, atraídos pelo chamamento irresistível de suas luzes.

rubem-braga
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