Veio o vento frio, e depois do temporal noturno, e depois da lenta chuva que passou toda a manhã caindo e ainda voltou algumas vezes durante o dia, a cidade entardeceu em brumas. Então o homem esqueceu o trabalho e as promissórias, esqueceu a condução, e o telefone, e o asfalto, e saiu andando lentamente por aquele morro coberto de mato viçoso, perto de sua casa. O capim cheio de água molhava seu sapato, e as pernas das calças; o mato escurecia sem vagalumes nem grilos.

Pôs a mão no tronco de uma árvore pequena, sacudiu um pouco, e recebeu nos cabelos e na cara as gotas de água como se fosse uma bênção. Ali perto mesmo a cidade murmurava, estalava com seus ruídos vespertinos, ranger de bondes, buzinar impaciente de carros, vozes indistintas; mas ele via apenas algumas árvores, um canto de mato, uma pedra escura. Ali perto, dentro de uma casa fechada, um telefone batia, silenciava, batia outra vez, interminável, paciente, melancólico. Alguém, com certeza já sem esperança, insistia em querer falar com alguém.

Por um instante o homem voltou seu pensamento para a cidade e seus problemas — a cidade sem água, atravancada de bondes morosos, o edifício há três meses esperando gás, a companhia prometendo telefone, mentindo, adiando, racionando, enriquecendo homens frios e distantes, corresponde, tapeando, explorando com técnica, vozes macias de senhores bem empregados com secretárias gentilíssimas, diplomatas, militares, engenheiros, boys humildes ou importantes, contratos capciosos e inúteis. E por associação começou a pensar no governo, os empregos, e inquéritos, e arranjos, e promessas — mas um camaleão correu de súbito, um passarinho piou triste em algum ramo, e o homem ficou atento àquela humilde vida animal e também à vida silenciosa e úmida das árvores, e à pedra escura, sua pele de musgo e seu misterioso coração mineral.

E pouco a pouco ele foi sentindo uma paz naquele começo de escuridão, sentiu vontade de deitar e dormir entre a erva úmida, de se tornar um confuso ser vegetal, num grande sossego, farto de terra e de água; ficaria verde, emitiria raízes e folhas, seu tronco seria um tronco escuro, grosso, seus ramos formariam copa densa, e ele seria sem angústia nem amor, sem desejo nem tristeza, forte, quieto, imóvel, feliz.

rubem-braga
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