Manhã de sábado cheia de sol em Ipanema. No Arpoador há um pequeno bando colorido de barracas, moças em maiô ou short e rapazes. Voltamos para casa. Duas crianças brincam na espuma, rindo muito, os dentinhos brilhando ao sol. Longe, em um trecho de praia deserta, vemos uma negra vestida de branco que se aproxima do mar. Está descalça, é jovem e alta; leva no braço uma grande bolsa de lona. Detém-se quando a espuma já lhe passa os tornozelos. Olha fixamente o mar e, de longe, temos a impressão de que murmura alguma coisa. Uma onda mais forte vem-lhe até os joelhos. Nesse mesmo instante ela abre a bolsa e joga depressa à onda tudo o que tem lá dentro. São coisas brancas. Depois sai correndo como assustada, atravessa o trecho de areia fofa, sobe à calçada e, ainda correndo, se afasta.

Caminhamos até o lugar em que ela estava. Foram rosas brancas que jogou ao mar. Recolhemos algumas: são grandes rosas ainda mal desabrochadas. Há algumas pétalas soltas boiando.

Eu poderia acrescentar o que disse uma jovem senhora que a tudo assistiu. Mas as jovens senhoras se impressionam com facilidade, ou gostam de impressionar. Ela disse que, no momento em que a negra lançou as rosas à água, deu um vento súbito e todo mar, muito azul, se encarneirou de espumas até longe, como se tivesse havido uma ampla chuva de rosas brancas. Disse também que na calçada depois de correr um pouco, a negra se sumiu no ar...

Voltando para casa, consultei os livros que falam de coisas santas dos negros. Na certa eu assistira a uma oferenda a Iemanjá, Rainha do Mar, também adorada como Janaína, Marabô, Dandalunda ou Inaé. Mas Edison Carneiro, que é conhecido ogã, e já foi até axôgun, explica bem: essas oferendas são feitas no mar fundo ou no encontro das águas; e, quando são de flores, devem ser feitas dentro de cestas ou vasos, para que afundem; quando não afundam é porque a Sereia do Mar não aceitou.

Mas, enfim, todos sabemos que sábado é dia de Iemanjá; e é possível que ela aceitasse essa oferenda de beira de praia de uma negra sozinha. Rosas brancas nas ondas são bela oferenda.

A Deusa que me perdoe. Trouxe para casa duas rosas; estão em minha mesa, dentro de um copo grande, desses de uísque. Uma ainda está fechada, outra se abriu lentamente. São lindas; a água do mar parece ter deixado uma distante sombra verde na brancura de suas pétalas perfeitas. Estão abençoadas por Iemanjá; não hão de fazer mal algum a este seu triste filho. Vejo que a negra teve o cuidado de tirar todos os espinhos, como se temesse ferir as mãos da Rainha.

São lindas, estão cheias de estranho viço. Não podem me fazer mal; e se fizerem, não importa; que as desgraças que a paixão pela beleza me trouxe, oh rosas, mulheres, ondas, nuvens, senhoras de minha aflição! — são desgraças que eu aceito e humildemente abençoo.

rubem-braga
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