Eu gostaria de escrever para você uma carta ruim: uma carta que lhe desse saudades do Rio; remorsos de ter deixado o Rio. Sei que você está feliz onde está e com quem está e que você dirige a sua vida com suas belas mãos resolutas. Mas também sei que no fundo de seu coração, em momentos distraídos, há uma leve fraqueza quando alguém fala do Rio.
Eu faria uma carta meio estabanada, mas no fundo marota; diria que tenho inveja de você, que está vivendo tão bem, e que embora eu sempre sinta saudades, acho que você fez bem em tocar em frente, em escolher outra vida, outra cidade, outro homem — mesmo porque aqui tudo vai cada vez pior. O Rio está acabando; eu diria; quem quiser fazer pintura, ou teatro, ou rádio, ou televisão, ou cinema, tem de ir para S. Paulo; lá sim é que se trabalha com seriedade, lá é que se pensa, lá é que se faz arte e ganha dinheiro.
Copacabana virou uma babel de cortiços de cimento armado, cheia de gente, com a praia suja durante o dia e escura durante a noite; o Leblon virou um subúrbio melancólico, com a avenida Ataulfo de Paiva atulhada de bondes, ônibus e lotação, os botequins cheios de moscas e malandros, as ruas cheias de buracos — uma faixa de terra desagradável entre a lagoa suja e o mar imundo.
Ir à cidade é uma tortura e uma aventura; as filas dos cinemas são cada dia maiores, a falta d’água mais irritante, a falta de energia a mais desoladora — a gente não abre um jornal sem ouvir em nível do Paraíba e enguiço de usina, a gente vive torcendo para chover e quando chove tudo se inunda, se enlameia e se paralisa. Abrir jornal é, de resto , uma loucura: os crimes são cada dia mais brutais e mais idiotas; a política parece girar mais em torno de dinheiro e de cavações; os escândalos já inspiram, de tão repetidos. Temos aqui uma vida desagradável, sem simplicidade, sem limpeza e sem graça, uma vida de pressa e de impaciência em que o trabalho é um castigo e a diversão é um mito: uma vida tão falsificada, tão sem gosto e tão cara quanto o uísque das boites.
Sim, o Rio está horrível, eu diria. Mas ao longo da carta, de passagem, a propósito de qualquer coisa ou de nada, eu contaria um dito que ouvi em uma esquina; diria que ontem, no Arpoador, o sol estava bom e a manhã estava linda; que à noite, numa esquina, ouvi uma turma cantando um sambinha novo muito engraçado; contaria o que a mulata que ia de bonde, respondeu ao menino que passou na bicicleta; que agora, na praia de Ipanema, onde já plantaram alguns coqueiros, estão plantando amendoeiras e pinheiros; que sábado nos reunimos muitos amigos em uma feijoada e falamos muito de você, e fulano tocou e fulana cantou; depois uma turma resolveu ir à Floresta da Tijuca, outra turma queria sair na lancha de outro fulano. Contaria assim, em coisas bobas, ocasionais e sem importância do Rio — e daria a entender que, às vezes ainda há lua, às vezes ainda há amor, e graça, e música, indolência e alegria. E talvez então, você, que arrumou sua felicidade tão direitinho, tão certa, sentisse um pouco de saudade desta cidade errada, desta gente errada, desta vida errada — e até mesmo, deste distante, errado, mas sincero amigo.