Publicada no livro A traição das elegantes, Sabiá, 1967, com o título "Os pobres homens ricos".
Um amigo meu estava ofendido porque um jornal o chamou de “boa vida”. Vejam que país, que tempo, que situação! A vida deveria ser boa para toda gente: o que é insultuoso é que ela seja apenas para alguns.
“Dinheiro é a coisa mais importante do mundo”. Quem escreveu isso não foi nenhum de nossos estimados agiotas. Foi um homem que a vida inteira viveu de seu trabalho e se chamava Bernard Shaw. Não era um cínico, mas um homem de vigorosa fé social, que passou a vida lutando, a seu modo, para tornar melhor a sociedade em que vivia ― e em certa medida o conseguiu. Ele nos fala de alguns homens ricos:
“Homens ricos ou aristocratas com um desenvolvido senso de vida ― homens como Ruskin, William Morris e Kropotkin ― têm enormes apetites sociais... não se contentam com belas casas, querem belas cidades... não se contentam com esposas cheias de diamantes e filhas em flor; queixam-se porque a operária está malvestida, a lavadeira cheira a gin, a costureira é anêmica e porque todo homem que encontram não é um amigo e toda mulher não é um romance... sofrem com a arquitetura da casa do vizinho”...
Esse “apetite social” é raríssimo entre os nossos homens ricos; a não ser que “social” seja tomado no sentido de mundano... Eu já escrevi que os chamados “cronistas sociais” (mundanos) são muito mais “sociais” do que se supõe, e muitos dentre eles mesmos suspeitam. Eles fazem o retrato de uma classe, ou melhor, de um grupo de uma classe. Como dentro desse grupo há pessoas de grande influência na vida coletiva, a coletividade tem grande interesse em ver esse retrato. A caixeirinha da loja e o estudante pobre lêem nosso querido Jacinto de Tormes com uma atenção terrível. Não consideram um crime tomar uma “champanhota”; o que confusamente acham criminoso é não poderem eles mesmos beberem sua “champanhota”.
Entretanto o arquiteto Oscar Niemeyer faz uma bela casa ou um maravilhoso edifício e não fica feliz: a cidade é feia. E nossos homens de governo têm uma pasmosa desambição de governar. Não passa sequer pela cabeça de um prefeito do Distrito Federal, quando assume o cargo, a ideia de resolver o problema da água; há uma pobreza íntima fundamental, uma incapacidade dolorosa de extrair prazer, de buscar satisfação em grande estilo.
Vi há tempos, um conhecido meu, que se tornou muito rico, sofrer horrorosamente na hora de comprar um quadro. Achava o quadro uma beleza, mas como o pintor pedia 20 contos ele se perguntava, e me perguntava, e perguntava a todo mundo se o quadro “valia” 20 contos, se o artista não estaria pedindo aquele preço apenas por sabê-lo rico, se não seria “mais negócio” comprar um quadro de fulano. Fiquei com pena dele, embora saiba que numa noitada de jantar e boate ele gaste tranquilamente aquela importância, sem que isso lhe dê nenhum prazer especial. Fiquei com pena porque realmente ele gostava do quadro, queria tê-lo, mas o prazer que poderia ter obtendo uma coisa ambicionada era estragado pela preocupação do negócio. Se não fosse pelo pintor, que precisava do dinheiro, eu o aconselharia a não comprar.
Homens públicos sem sentimento público, homens ricos que são, no fundo, pobres diabos, que não descobriram que a única vantagem real de ter dinheiro é não ter que pensar, a todo momento, em dinheiro...