“Já tenho casa, já tenho mar” — exclamava Julieta Bárbara há muito tempo, em um poema feliz; e murmurei esse verso debruçado em minha varanda.
Com muito exagero, é certo. A varanda é estreita e alta, não chega a ser uma varanda; e a casa é um apartamentinho de quarto e sala.
O que ele tinha mesmo de bom e de grande era, afinal de contas, o mar. Léguas e léguas de mar azul com lajes e ilhas, farol e barcos, alegre praia e aos pinheiros eretos, vários coqueiros pequenos. Passei a dispor também de sol e lua e muitas estrelas, além de ventos e brisas de vários tipos, inclusive a terral, que entra pela cozinha, e o sudoeste, que dá pela proa. Em vista do que expliquei meu caso para o Henrique La Rocque, do Instituto. E ele mandou tomar informação a meu respeito, e apurando que sou um comerciário pobre, porém honrado, desta bela praça, mandou me examinar (“excelente coração” disse o médico repetindo o que mamãe sempre disse de mim) e depois de exigir uns 48 papéis selados, carimbados, anotados, reconhecidos, autenticados, revalidados e consagrados, inclusive várias células do chamado papel-moeda, mandou me entregar a chave.
Levei meus trecos para bordo e me fiz ao mar. E assim vinha eu, há meses, velejando parado, quando notei um cartaz estranho na casa ao lado. Logo chegaram homens de picareta e começaram a derrubar a casa. “Vão fazer um jardinzinho aqui”, pensei — “isto é muito gentil”.
Fizeram um prédio que me tirou a vista de cem metros de praia e da janela de trás do apartamento do amigo Miguel. Porém, sobre o telhado novo, meu, belo ar continuou arfando feliz.
Outro dia eu vinha para casa e topei com outro cartaz num sobrado da transversal. “Vão demolir esta casa e com certeza fazer aqui um belo pomar onde as crianças poderão tirar cajus e pitangas” — pensei. E me senti alegre dentro de meu suave coração, e achei aquela família muito distinta.
Era um prédio — mas meu amigo, que entende de construção, procurou me consolar. “O gabarito — ele explicou — é de quatro andares; no pior caso você perderá a vista de mais cem metros de praia, mas continuará dominando o oceano Atlântico por cima dos telhados”. Murmurei alguma coisa como mare nostrum, e me pus à espera.
Sim, são quatro andares, mas eles começaram a ser construídos do segundo para cima, pois o primeiro é de colunas ou, como se diz hoje em dia, pilotis. E no lugar do telhado fizeram um terraço onde provavelmente a senhora do zelador estenderá suas roupagens ao sol e os meninos do prédio comerão lindas bananas amarelas cujas cascas serão jogadas visando o interior de minha rede, em saído e empolgante divertimento.
Hoje acordei tarde, porque minhas meditações noturnas da sexta-feira foram muito prolongadas, graças ao estímulo espiritual de grandes autores escoceses hauridos na biblioteca do Dreyfus Cattan e na mesa de trabalho do Beti Faria. Ouvi ruídos. Os senhores operários acabam de chegar ao cume de seus lavores, atingindo os altos na caixa d’água e da casa do elevador. Em regozijo cortaram ramos de “fícus-benjamim” e enfeitaram sua obra. Agora ouço barulhos lá em baixo. Vou acabar esta crônica e descer; eles devem estar tomando chope, e aceitarei um copo. Perdi quarenta léguas quadradas de mar azul, e só me resta uma vereda que vai para o mar através dos dois pinheiros.
Sim, o barril de chope está assobiando lá embaixo. Confraternizarei. Um dia talvez o dono da casa da praia e dos dois pinheiros (tem um nome alemão, parece que é da Antártica) mandará pregar um cartaz em sua bela mansão. Estou certo de que assim fará para construir um playground com uma piscina para a meninada do bairro, e distribuição gratuita de refresco de maracujá nos domingos de sol. Esperemos, irmãos.