Não acompanho Guignard quando ele mergulha na fantasia, eu gosto é de passear com ele pelas cidades conhecidas e pelas pessoas conhecidas que ele, entretanto, transfigura e dá a tudo um antigo ar familiar. Na verdade, os quadros de Alberto da Veiga Guignard fazem todos uma família, seus telhados, seus sobrados são todas casas de família, suas gêmeas, são nossas primas-irmãs.
Gêmeas... ele deveria ter pintado mais gêmeas, não entendo porque os pintores não se habituam a esse tema das gêmeas, tão rico e tão excitante na sua aparente monotonia; eu gostaria de pintar, para pintar sempre gêmeas duas, três, quatro gêmeas; daria irmãs gêmeas de presente à mulher que eu amo, e as amaria também, numa casta multiplicação. Ah, como deve ser bom amar a mesma em outra, viver em paz entre gêmeas, sem ciúmes, na maior doçura, ver esta reclinada, aquela alçando o braço, outra, igual a cantarolar além. Uma gêmea dorme, outra conversa manso, e se debruça depois sobre a adormecida como se houvesse um espelho mais inteligente.
Vejam o autorretrato de Guignard, façam o favor de ir ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no Ministério da Educação para ver esse autorretrato de Guignard, um dos quadros que eu mais estimo no Brasil, de tão boa pintura e tanta luz humana que ele tem; está se olhando o velho pintor, chefe de suas famílias de gêmeas, dono de igrejas de Ouro Preto e sobrados líricos de Santa Teresa, lavrador proprietário de cem palmeiras imperiais.
Dá vontade de ter uma filha — ter uma filha bonitinha, magrinha, de sete anos ou de 12 anos — para Guignard fazer seu retrato, para que ela entrasse também para a família dos retratados de Guignard. E conversar com ele, dizendo: “Artista, você é livre, mas se quiser me ouvir neste momento solene em que vai fazer o retrato de minha filha, velho artista, vamos pensar juntos em um fundo para esse quadro; deve haver árvores, talvez mamoeiros ou embaúbas, ou a distante palmeira imperial. Não está claro que não podem ser essas chamadas “plantas modernas”: você sabe que um pé de manacá todo florido em violeta e branco nos conviria mais, lembraria as antigas chácaras de nossa família quando éramos vizinhos de Machado de Assis no Cosme Velho; ou então um pé de murta, será que existem murtas de alvo perfume como antigamente? Artista, a minha filha é como um jardim fechado; jardim de afetos. Só você poderá compreender que juntaremos assim, no mesmo período, o Cântico dos cânticos e o Luar de Paquetá. Eu já falei. Agora ponha seus óculos cordiais e pinte, artista, o retrato de minha filha, que assim passará a ser sua afilhada; e a você sempre darei o honrado nome de compadre. Compadre Alberto da Veiga, meu compadre Guignard.