A areia da praia está molhada; choveu durante a noite. O mar, quase imóvel, está cinza; apenas na transparência da pequena onda que avança ele tem um instante verde, que oscila e cai tornado espumas. 

― Olha!

Vemos passar no céu um bando de aves, muito longe, alto, formando como que uma fita que fosse ondulando ao vento. O movimento é este mesmo, igual ao de um pedaço de serpentina de algum perdido Carnaval que fosse largado de muito alto. Que aves serão, que voam para o poente nessa formação caprichosa e estranha, como que saudando, do alto do céu, os dois quietos namorados que já se amaram e neste momento apenas se deixam ficar suavemente deitados, olhando o céu? Vamos até a varanda ver em silêncio os pássaros que se vão. E aqui perto vejo andorinhas ― que fazem essas andorinhas em Ipanema, território de pardais e bem-te-vis, por que vieram para nossos telhados com suas asas de aço e azul?

Há uma excitação no ar, que não entendo; os ventos já tombaram, depois de rondar desde o sopro áspero que parece vir do árido sertão crestando os ares até o vento frio e molhado do sul. O céu está exausto, descarregou toda a sua pressão, está vazio e lívido; por que esses pássaros se inquietam, piam, cruzam nossa paisagem sobre a linha do mar? Voltemos para dentro, oh minha amada! Neste momento talvez, mais para o poente, nesta longa cidade, outros amantes estarão vendo passar as aves estranhas; estarão se erguendo nus, de olhos no céu, calados...

Descemos lavados, serenos, para a esquina. Uma brisa leve beija as árvores molhadas. Vem pela calçada uma ágil menina, que avança saltando a corda; é leve e precisa, atravessa a rua estreita sem olhar os carros que irão se cruzar num segundo depois de seu pé ligeiro atingir a outra calçada. É tão desprevenida e fina que talvez pudesse passar, transparente, através dos carros, como se brincasse e corresse em um prado em flor.

Agora são duas mocinhas que se detém um instante sob uma árvore da esquina, antes de se separarem: cada uma tem sua pasta com os livros e cadernos do ginásio. A chuva fez cair as frutinhas do fícus; de súbito uma delas descobre um brinquedo, que é pisar essas frutinhas na calçada: a outra adere, deliciada, e ambas, esquecidas da conversa, dos namorados e teoremas, pisam frutinhas, numa dança sutil, fruindo um prazer de infância. Mas perto se deteve o amolador de facas; faz girar sua roda, encosta-lhe uma folha de metal, e um silvo rascante e agudo corta os ares, anunciando seu humilde mister a todas as cozinheiras destas redondezas.

As mocinhas se vão, uma para cada lado. A amada se vai; de longe manda um adeus; é um gesto que eu esperava e entretanto me faz bem. Abençoado por esse gesto da amiga, ando um pouco para o lado do mar; ele é cinza, mas a pequena onda que se ergue é verde, verde, como olhos verdes.

rubem-braga
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