Passou o Dia das Mães, que pode ter muitas vantagens (para o comércio) e alguma beleza sentimental (ainda que importada) mas produz uma verdadeira praga de péssimos poemas. Odylo Costa Filho topou a comemoração meio desconfiado com as origens protestantes e rotarianas do Dia, mas lamenta que a imprensa do Rio tenha a certa altura vulgarizado a horrível palavra “progenitora”, achando, entretanto que isso “de qualquer forma era um sinal de respeito pelo sagrado”.

Aí é que ele se engana. O que acontece —  foi Álvaro Moreyra que reparou é que esta nossa língua é tão arrevesada que “mãe” virou palavra feia. Com certeza é por isso que se diz Dia das Mães, no plural, pois soaria meio exquisito dizer Dia da Mãe.

Eu me lembro, quando fui fazer reportagem na fronteira de S. Paulo e Minas, na revolução de 32, de um soldado, um pretalhão enorme, que me pediu para redigir um telegrama para ele, que não sabia escrever. Era um recado para seu pai, que ele foi ditando, e no fim queria que eu pusesse: “saudade minha mãe”. Sugeri que no lugar de “minha mãe” eu escrevesse “mamãe”; isso economizava uma palavra. Ele não quis. “Não faz mal ficar mais caro não”. E explicou: “um homem de minha idade dizer mamãe…”

Nós, da imprensa, criamos uma linguagem escrita especial, que não é a mesma dos livros, nem muito menos das ruas. Ninguém doente, mas “enfermo”, nem “de cama” e sim “acamado” e ninguém morre, todo mundo “falece”. Há quem lute contra isso, mas a verdade é que assim fica mais distinto.

Eu era quase menino e vim ao Rio, ficando hospedado numa pensão. Lá morava um senhor de nome grego que me dissera que era jornalista, redator de A Noite. Passei a contemplá-lo com a maior admiração e respeito. Era um homem simpático e simples, que tinha a mania de tocar flauta. Um jornalista do Rio de Janeiro! Minha admiração era tão grande que precisei juntar muita coragem para lhe perguntar o que é que ele escrevia no jornal. Ele pegou A Noite e disse com simplicidade que fazia várias coisinhas —  “isto, por exemplo” —  e apontou uma coluna no canto da terceira página sob o título “Canhenho Fúnebre”, dando a lista de todas as pessoas “inumadas” na véspera em todos os cemitérios da cidade. Inútil dizer que minha admiração cresceu, por causa do “inumadas” e principalmente do “canhenho”. Vi na imaginação aquele senhor percorrendo diariamente todos os cemitérios, contemplando os defuntos e anotando seus nomes em um caderno preto, estranha vida, a de um repórter!

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Quanto à “progenitora”, é preciso ter paciência; não é fácil acabar com a palavra. Mãe dos outros, em jornal, é progenitora mesmo.

rubem-braga
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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