Não pense, minha querida amiga, que não lhe escrevi antes por falta de lembrança. Apenas tenho deixado para depois, talvez com um vago ressentimento carinhoso por você ter viajado, como quem diz: “ela deve estar pouco ligando para o que acontece comigo e com os outros aqui; viajar é uma espécie de traição; ela nos traiu”.
Não digo que tenha pensado isso, mas com certeza senti esse despeito infantil e tolo que temos de quem viaja, e só agora tomo consciência disso. É talvez, por causa desse vago sentimento que todo reencontro tem um certo sabor de reconciliação. Lembro-me do Newton Freitas, sempre que há uma grande mesa em que se encontram velhos amigos a dizer, com mau sotaque lusitano: “enfim, cá estamos todos!” frase vulgar que ele atribui a um seu amigo português e que dá a um grupo a consciência de ser um grupo no tempo e no espaço.
Veja você como sou sentimental em coisas de amizade. Mas o certo é que a vida nos ensina sobretudo a solidão, embora, como no meu caso, uma pessoa seja fortemente gregária. Não é preciso uma viagem; mesmo no dia a dia de uma cidade há pessoas que partem imperceptivelmente, que se desligam de nós tão devagar que os dois sentem surpresa quando reparam que, de íntimos, se transformaram em quase estranhos. Isso é que dá um ar pungente e ao mesmo tempo falso a velhas fotografias de grupos. Sentimos uma espécie de humilhação misturada de tristeza e também de alívio ao nos vermos ali, naquele grupo tão ligado pela amizade e pelo amor — hoje disperso. Aquele casal já se separou, aquela bela mulher que amamos, hoje é apenas uma lembrança meio triste e quase tediosa, aquele amigo íntimo sumiu. Às vezes isso acontece, como no verso de Vinicius de Moraes, “de repente, não mais que de repente”, e então todos têm a consciência do que aconteceu quando, por exemplo, pensamos com que turma passaremos a noite de Ano Bom; às vezes a desagregação é lenta e sutil.
Ainda bem, minha amiga, que há velhas ternuras que sobrevivem a tudo, velhos carinhos que mantêm, no deserto tumultuoso da vida, o pequeno sinal luminoso da fidelidade. Serão, afinal, melancólicas, pois a vida nos muda a todos, e a cada um de um jeito; mas essa melancolia não deixa de ser reconfortante. A certa altura vemos que a vida é curta, e longo o sentimento; então um senhor como eu, de natural corriqueiro e frívolo, se surpreende, como neste momento, a escrever a uma bela dama frases maçantes de filosofia trivial, no lugar de lhe contar as coisas e amores do Rio — quem teve filho, quem está rico ou vai falir, quem casou ou morreu. O Braga hoje não está noticioso, está em balanço. Logo na hora de escrever para você, que já disse gostar de mim porque sou “bem mexeriqueiro”!
Vou tomar alguma coisa, para soerguer este fio moral, beijo-lhe as mãos, minha beleza. Adeus.