Publicada, posteriormente, em A cidade e a roça, José Olympio, 1957.
A casa dos homens está nessa idade em que certas casas começam a ficar mal-assombradas: em algum canto se adensa, ainda, porém, em demasia fluido, o ectoplasma de um primeiro fantasma, que é também um homem grosso e triste.
Talvez seja no porão; é impossível vê-lo: apenas em certo ponto há uma impressão de que o ar está um pouco mais pesado em nossa face. Os homens da casa não se importam com isso: eles se observam; levantam-se em seus quartos, juntam-se na grande sala, olham o velho relógio da parede e secretamente se censuram pela presença mútua.
Há muito, por uma combinação tácita, nenhum deles traz mulher para casa no meio da noite. Antigamente, é verdade, vinham mulheres, às vezes duas ou três e na sala bebiam vinho e riam: há lembrança de uma noite em que todos cantaram. Mas o tempo foi passando; a amizade dos homens cimentou-se em uma espécie de tédio amargo; querem evitar questões; mulheres criam questões.
Hoje seria ridículo pensar em trazer mulheres; a casa foi se carregando de cinzento, os móveis ficaram mais pesados, as sombras mais severas, pela contínua presença dos homens; se alguém colocasse em algum lugar um vaso de flores ou a gaiola de um canário, a censura muda dos móveis e das coisas, o olhar grave das paredes, a soturna irritação dos homens os transformariam lentamente em pequenos montes de cinza. Na verdade, aqui dentro se criou uma acomodação e um conforto grave, onde os homens não têm necessidade de sentir outra coisa a não ser que são homens e moram em uma casa de homens entre coisas de homens.
O telefone era antigamente um elemento de perturbação; como não podiam dispensá-lo, os homens o encerraram em uma cabine; assim cada um pode conversar à vontade com quem quiser, mesmo dizer facécias, sem que os outros tenham a obrigação odiosa de ouvir.
Sempre é possível admitir que no trato com pessoas estranhas — mulheres ou crianças por exemplo — algum dos homens ainda use um tom ligeiro ou emotivo, que seria impróprio na severidade do convívio másculo. Na verdade, porém, a longa disciplina desse convívio aos poucos vai pesando no interior de cada homem.
Como estão envelhecendo, eles já saem menos de casa. É de crer que cada um juntará com seu trabalho um pequeno pecúlio que o dispense completamente de sair. Assim os homens ficarão para sempre dentro da casa, com as cortinas descidas e nem sequer mais se falarão; cada vez mais juntos e mais isolados pessoalmente, eles estarão preparados para morrer sem nenhuma lamentação: cada um será enterrado no quintal, e todos terão os olhos secos. Quando o último sucumbir sozinho, sem um gemido, o fantasma já deverá estar bastante denso para poder enterrá-lo. E como os fantasmas duram séculos, esse fantasma de homem ficará na casa em ruínas, severo e só, até que o último tijolo seja pó e a última pedra da casa se desfaça em pálida areia.