Mario Pedrosa me telefonou — se eu queria ir ao Chile. Resposta imediata, detonação instantânea nos mais íntimos e permanentes dispositivos de minh’alma: quero! Se ele tivesse dito Angola, Hungria, Piauí ou Sião, a resposta seria a mesma e a voz seria do mesmo jeito, alegre. Sou demasiado atento e demasiado sensível às coisas que me cercam, elas pesam demais sobre mim, as paredes, as árvores, a rua, as pessoas, a paisagem. Sou um homem profundamente local, sinto e escrevo do pé para a mão, e dia a dia; quando estou em São Paulo me desinteresso por ler um jornal do Rio, quando estou na roça só penso em lavoura; por isso mesmo as presenças me limitam e me corrompem e preciso gastar distância para lavar a alma. Quando um navio mete o focinho fora da barra ou, na poltrona do avião, somos convidados a apertar o cinto e não fumar — é como se a gente começasse a nascer outra vez, livre do peso de tudo que se deixa para trás; o que ontem nos parecia um grande problema é agora uma lembrança vaga e aborrecida que nem convém lembrar.

Assim pois, arrumei meus trecos e fui avisado de que o avião saía bem cedinho no domingo; madruguei no Galeão para saber que a viagem ficara para a madrugada de segunda, em cuja madrugada o homem da Panair me avisou pelo telefone que “a Cordilheira estava fechada”, era preciso esperar pela madrugada da terça. Voltei aos amigos e ao botequim e de cara limpa; não há nada pior que a gente se despedir de todo mundo e depois dar as caras por aqui mesmo, mas minha resposta tinha uma grandeza quase cósmica: “a Cordilheira está fechada”!

Aqueles senhores e senhoras que estavam ali, ali estavam porque estavam ali, não mais; eram seres de certo modo vulgares, que apenas continuavam em seus lugares; eu porém era diferente, eu estava ali detido por tempestades nos Andes, bloqueado por nuvens altíssimas.

.. E então, na hora de partir mesmo, o que me deu foi uma ternura pelo Rio, quase uma espécie de saudade desse Rio de que eu era apenas um hóspede, com a mala no aeroporto, esse Rio que eu agora via quase de passagem, com seus mares e montanhas, sua gente cordial me pagando bebida, e essas mulheres lindas que a iminência do Chile me fazia pensar delas o que Gabriela Mistral uma vez em conversa disse das americanas — “tan limpias e tan tontas!”

Que mais podemos querer?

rubem-braga
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