Acordo cedo e vejo o mar se espreguiçando; o sol acabou de nascer. Vou para a praia; é bom chegar a esta hora em que a areia que o mar lavou ainda está limpinha, sem marca de nenhum pé. Amanhã está nítida no ar leve; dou um mergulho e essa água salgada me faz bem, me limpa de todas as coisas da noite.

Era assim, pelas seis e meia, sete horas, que a gente ia para a praia em Marataízes. Naquele tempo diziam que era bom para a saúde; não sei se ainda dizem. Para mim tem um sabor tão antigo e todo novo, essa praia bem de manhã. Para um lado e outro diviso apenas dois ou três vultos distantes. Por que não vem mais gente à praia? Muita gente, é claro, tem de estar na cidade cedo; mas há um número imenso de funcionários e pessoas de muitas profissões que nesta cidade onde se dorme tão cedo parece ter algum preconceito contra acordar cedo. Basta olhar qualquer edifício de Copacabana e Ipanema: às dez horas começam a se apagar as luzes, e meia hora depois da última sessão de cinema há edifícios inteiros completamente às escuras. O grosso da população ressona provincianamente às onze horas. Mas para vir à praia todo mundo parece ter medo de ser provinciano.

 

O leve calor do sol me reconforta. Chega uma senhora gorda com dois meninos e duas meninas. Senta-se no raso, e as duas crianças menores sobem pelos seus ombros e sua cabeça, chutam água e espuma, todos se riem na maior felicidade. Suas roupas de banho não são elegantes; devem ser como eu, gente do interior. Aparece depois um rapaz; mas é um atleta. Faz alguns minutos de ginástica, dá um mergulho, volta a fazer exercícios com a maior eficiência. Esse não é de nossa raça, os vagabundos matinais. Está ali a negócios: negócios de saúde ou atletismo, em todo caso negócio. Eu, a senhora gorda e as quatro crianças nos entendemos. Levo duas crianças um pouco mar adentro, para receberem algumas lambadas de onda. Dão gritos, dão risadas, sentem medo, sentem coragem. Somos gente do interior e somos, seguramente, boa gente.

rubem-braga
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