Sentado diante da máquina, o homem pensa o que pode escrever. Hoje quer ir mais cedo para a cidade e lá não terá tempo de fazer a crônica.

Os jornais ainda não vieram. E quando chegarem talvez não tragam nada que sirva para uma crônica. Há dias neutros, vazios, em que o noticiário do mundo inteiro é uma pantomima cinzenta e fria, de gestos cansados e cacoetes velhos.

O correio traz apenas duas cartas; nenhuma das duas tem o menor interesse. O homem diante de sua máquina sente que não tem, no momento, mensagem nenhuma para transmitir ao mundo; amanheceu com mormaço na alma; o mundo inteiro parece estar sob o mormaço.

Chegam os jornais. Lê por hábito as coisas que aconteceram, graves ou não, já estavam acontecendo anteontem. Em um jornal aparecem as caras de dois prováveis candidatos à presidência da República. São caras de uma vulgaridade triste, sem nenhum traço de interesse.

É meio desanimador pensar que um desses homens pode ser eleito. Durante anos e anos todo dia os jornais e revistas repetirão essa cara banal; e nós veremos ainda no cinema esse sujeito cortando uma fita de inauguração qualquer: andando à frente de grupo, com um ar meio formal, olhando com falso interesse o que lhe apontam, dizendo alguma frase tão banal como sua cara...

E isso de repente dá a impressão de que somos um povo muito velho, dirigido não mais por homens e sim por clichês, sombras de homens, clichês mal impressos, clichês de caras, clichês de frases, clichês de ideias e convenções. É talvez isso que causa em tudo uma depressão silenciosa que achata de maneira invisível as coisas e os seres: nossos místicos são sem profundidade, nossos anarquistas sem morte, nossa vida sem pathos.

Os moços se revoltam contra isso ou aquilo: mas se revoltam dentro das regras preestabelecidas, muito direitinho, dentro dos estatutos e do regimento interno de uma organização qualquer sem uma palavra que tenha um som novo, sem sequer uma tolice mais veemente e bela: são burocráticos mesmo quando parecem indignados, e se o departamento dos Correios e Telégrafos tivesse um pouco mais de imaginação poderia editar fórmulas de telegramas de protestos como edita de Feliz Natal.

O homem antigo gravava na pedra sua mensagem de beleza ou de orgulho; o de hoje escreve nos jornais ou rabisca nas paredes sempre as mesmas coisas, cada um se encarregando de fazer tantos tópicos por semana ou pichar tantos quarteirões por noite. E assim cumpre o seu dever; mas não cumpre sua alma nem sua vida, não deixa um pouco de si mesmo gravado em nada, para que amanhã, quando tudo isso passar, uma criatura humana possa ter o testemunho de que aqui também houve criaturas humanas e não apenas grupos de pessoas e interesses.

Meu Deus! Leon Bloy acabaria cambista do jogo do bicho na Penha, Lenin trabalharia na seção de estatísticas da Confederação do Comércio, Cleópatra morreria de erisipela em Ramos.

rubem-braga
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