Um pouco por dever, muito por vício, sempre fui um grande ledor de jornais, e a primeira coisa que faço quando chego a uma cidade estranha é recomendar ao porteiro do hotel que me faça vir todos os jornais da terra, sem exceção. Compenso, assim, minha capacidade quase nula de ouvir rádio. Passei anos e anos, a maior parte da minha vida, sem ouvir rádio, acho que principalmente por causa do mau gosto excessivo dos anúncios, especialmente os musicados.

Nossa imprensa tem mudado muito. A crônica esportiva, por exemplo, melhorou, embora eu jamais lesse no Rio nenhuma página deliciosa, como as que Jair Silva fazia antigamente em Belo Horizonte, descrevendo um jogo de futebol com humour e sentimento. O humorismo de rapazes como o Cavaca e o Super XX tem um efeito benéfico no meio de certas impertinências de linguagem (impertinências metafísicas e de castelhanismos) ― embora ainda haja jornais que “vencem” ou “perdem” partidas ou campeonatos com uma suficiência cômica. A crônica policial é que só raramente é feita com limpeza e propriedade; chavões centenários continuam a ser repetidos, como dizer, a propósito de crimes entre cônjuges: “os primeiros tempos do casamento transcorreram felizes...” etc. E ainda se faz em muitos jornais uma psicologia barata e desonesta de circunstâncias que é de matar.

Mas não quero me referir, nesta nota, as falhas deste ou daquele jornal, que todo profissional sente. Quero me referir a alguns hábitos que não “sentimos” e que, entretanto, a um estrangeiro podem parecer estranhíssimos. Um deles é o cabotinismo dos jornais. Cabotinismo dos diretores é bem mais raro, principalmente depois que o Barão de Itararé mergulhou em um ridículo sem remédio o “nosso querido diretor”. Quase nenhum diretor de jornal admite que sejam publicados elogios à sua pessoa, em seu jornal.

Mas quando o jornal faz anos, a coisa muda. O jornal noticia o próprio aniversário com um carinho comovedor e depois passa semanas, meses, a transcrever as notas que os outros jornais deram, as referências feitas por algum parlamentar às cartas e telegramas recebidos. O resultado é que muita gente que normalmente não se lembraria de cumprimentar o jornal pelo seu aniversário, se julga obrigada a fazê-lo ― ou por simples cortesia ou na esperança de captar a simpatia da redação, ou ainda pela pequena vaidade de ver publicado o seu telegrama ou pelo menos o seu nome. Todos os jornais fazem isso com o maior ou menor esparrame, e nisso não há nenhum mal, nem eu estou propondo que se deixe de fazer. Mas que é uma praxe o que tem seu lado engraçado é: o jornal gasta colunas e colunas, em que poderia haver notícias ou comentários capazes de interessar o leitor, em contar como falaram dele, o quanto foi festejado, etc...

Outro costume também estranho, e que será difícil acabar, é o dos anúncios fúnebres. Morre um sujeito importante e seus parentes, colegas, sócios e amigos fazem questão de convites fúnebres bem grandes, em quadros; em muitos casos uma página inteira é gasta por vários anúncios que convidam para a mesma missa do sétimo dia. A um sujeito discreto não lhe adianta recomendar, antes de morrer, que não encham seu túmulo de coroas; sua morte será de qualquer modo cercada de ostentação, seu nome aparecerá repetido em grandes tipos negros em colunas e colunas em todos ou quase todos os jornais da tarde e da manhã, e com um estardalhaço capaz de fazer corar o defunto.

São costumes nossos e não pretendo mudá-los. Eles dão aos nossos jornais mais modernos, bem feitos e inteligentes um certo sabor antigo e provinciano.

rubem-braga
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