Zico:
As notícias que você pede aí vão, nesse monte de recortes de jornais, que podem formar um retrato do momento brasileiro. Veja, por exemplo, essa lancinante pantomima na política paulista: é uma zona de vácuo no centro da vida brasileira. Ah, se o mineiro não fosse tão ranheta, como lhe seria fácil agora assumir o comando desta república.
O Brasil, meu bom Zico, está devoluto. O velho Vargas o perdeu e não aparece ninguém para tomar conta dele; é um enorme terreno baldio, sem dono certo. No mais, tudo vai mal, como você verá pelos recortes. O melhor é você não ler muito os jornais, que lhe fornecerão um desgosto vil e, para dizer a verdade, exagerado. Pois a verdade é que, à margem de tudo, ainda há pequenas coisas boas que continuam ou acontecem. O sorvete do Morais, ali na Visconde de Pirajá, continua excelente; ele jamais gastou um tostão em propaganda e está sempre com fila na calçada. Um dia ainda farei uma reportagem dando uma lista das coisas boas que se fazem no Brasil, uma reportagem honesta de publicidade gratuita, incluindo o sabonete Phebo de Belém do Pará e o leite de Colônia, o café d’Orvilliers quando comprado na torrefação, os copos de cerveja de Joinville (que os cristais Prado deviam imitar na forma), o vinho da Granja União tipo Cabernet, o gin Seager’s feito em S. Paulo; aquela bebida de maçã de Campos do Jordão chamada Calvila, a cachaça especial de Cariacica... meu Deus, estou falando muito de bebida, disfarçarei com o suco de tomate Peixe, o doce de caju Tabajara, feito em Aracati, Ceará, ou o modesto queijo Catupiry.
Mas não há apenas algumas coisas boas, há também boas ações, como a do porteiro de meu prédio, que plantou flores na calçada, em volta da árvore, no que foi imitado pelo porteiro de frente e pelo da esquerda; a do vento sul que se foi embora sexta-feira e nos deu um sábado glorioso, de ar leve e macio. Também direi que o meu bicudo, que era tão assustado, agora está manso e amigo, embora tenha parado de cantar por causa do melro que está cantando muito alto.
Sim, oh Zico, tenho um melro. Não será um melro ortodoxo, verdadeiro, daqueles do Guerra Junqueiro. É um melro daqui mesmo, da fazenda do Caloca, que os caipiras chamam de chopim, as mulheres de “pássaro preto” e os meninos de “vira”. No momento, ele está virando um pedaço de laranja que lhe dei, o que representa um grande progresso de higiene e elegância em relação ao que ele virava há dois meses nos pastos da fazenda. Veio magro e meio depenado, está gordo e luzidio e canta de encher a alma. Está cantando neste momento. Acho muito justo, Zico, eu parar de escrever, deitar na rede, cerrar os olhos e ouvir seu canto. Mesmo na casa do pobre ainda se pode, você está vendo, aproveitar um pouco a doçura melancólica do Brasil.