Foi o chauffeur do táxi que puxou a conversa. Ele comentava, com revolta, o atentado contra Carlos Lacerda. Passou depois a falar dos vários crimes praticados contra choferes e que a polícia não descobre, mas logo voltou ao caso da rua Toneleros.

— Imagine o senhor, aquele oficial moço, com mulher e quatro filhos, morrer assim! Ninguém vai devolver ele à mulher e aos filhos, nem que fizerem uma revolução. Mas pelo menos desta vez a gente tem uma esperança.... 

— Que esperança?

— Bem, o senhor imagine se fosse eu que morresse. Podia ser, não podia? Carlos Lacerda podia ter pegado o meu carro, assim como o senhor pegou, e mandado tocar para a casa dele. Eu ia. Na hora do tiroteio podiam sobrar duas balas para min, não podiam?

E com volubilidade:

— O senhor já viu um cachorro morto na rua? Sabe por que enterram ele? Enterram porque o pessoal que mora ali perto fica telefonando para tirarem o bicho, porque senão ele começa a cheirar mal. Pois se o morto fosse eu, era a mesma coisa, o mais que eles faziam era me enterrar. Mas agora é que quero ver: agora é um oficial. Pode ter gente importante metida nesse crime, gente lá de cima, mas de qualquer maneira a polícia vai ter mesmo de trabalhar direito...

Fez uma pausa e me perguntou com hesitação:

— O senhor me desculpe, mas qual a sua profissão? 

— Jornalista.

Ah!

E sorrindo:

— Agora imagine o senhor se eu tivesse falando isso e o senhor fosse da polícia! que beleza! Eu ia ter que explicar minha conversa para o comissário, não é? Era uma noite no xadrez garantida! Pelo menos! Mas o senhor é jornalista, o senhor veja o caso daquele repórter que o guarda matou. Se ele não fosse jornalista o senhor acha que ia alguém para a cadeia? Que esperança! E assim mesmo, olhe lá, com todo esse barulho de jornal eles ainda estão querendo fazer confusão na coisa, inventando testemunha para atrapalhar, para ver se livram o tal “Coice de Mula”. Eu digo ao senhor com toda franqueza: não sei se esse homem vai ser condenado não. O senhor compreende, o tempo vai passando, a coisa esfria, daqui até que chegue o dia do júri. E o senhor veja que ali o criminoso era um guarda qualquer, não era ninguém importante — pois assim mesmo eles ainda estão querendo livrar o homem! Olhe, eu vou dizer ao senhor outra coisa: se esses oficiais não andarem ligeiro e não derem duro mesmo, esse pessoal é danado, eles tapeiam, tapeiam, e no fim ninguém não foi culpado...

E já com o carro parado, quando recebia o meu dinheiro: 

— Querendo, o senhor bota no jornal isso que eu estou lhe dizendo, mas não com meu nome nem o número de meu carro. Se aquele guarda que matou o repórter não pegar cadeia dura mesma, e se esses bandidos agora não forem descobertos, aí este Rio de Janeiro vai virar açougue. Vai virar açougue! 

E tocou o carro pela rua noturna.

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