Está difícil escrever porque a noite caiu de repente, cheia desses ruídos ruins de rodas de bonde e suspiros dos freios de ar comprimido ― e vozes confusas na outra sala. Falam de Gregório, de cartas para Gregório, e isso me cansa, esse torpe romance policial cheio de tanta mesquinharia.
Está difícil escrever porque há muitas entrevistas para ler e até rádio para ouvir e conversas para conversar. Trocamos boatos, repetimos nomes, falamos de crime e de política ― o Brasil de súbito se descobre torvo, um homem escreve pedindo emprego citando as obras que o recomendam: “já fiz uns mortos”. E esses mortos me parecem mais definitivamente mortos que jamais, amontoados assim no bojo desse “uns” displicente e aviltante. Também o outro, o que matou um homem por engano no domingo de carnaval, não se lembrava do nome da vítima: “um outro sujeito”.
Está difícil escrever porque há muita demagogia e muito mau gosto, há muita mistura de dor respeitável e carnaval político, de pureza e de sordidez.
Está difícil escrever porque tudo isso deprime e desgosta: porque entrementes a vida está passando e onde estão os amigos e as amigas do último verão? Eram cigarras, viraram formigas, formigas passeando pela nossa alma, com indiferença.
Está difícil escrever porque o ainda tímido crescente com sua estrela esplêndida ao lado ficou atrás do edifício, perdeu-se do outro lado da cidade e da vida.
Seria bom pensar que em algum canto há um casal ingênuo que se ama, e ainda está inocente de tanta pequena miséria e tristeza da vida. E que esses dois se diziam coisas leves, brandas, se olhavam nos olhos, e de repente viram a estrela e a lua e ficaram em silêncio. Ficaram em silêncio perante o infinito.
Mas se houver algum infinito, deve estar longe destas paredes, e houver algum casal amante deve estar longe, no espaço e no tempo, na saudade, na ilusão; aqui, agora, é difícil escrever, é quase criminoso e completamente inútil escrever, porque o que não é torvo é tédio, e nada mais.