Eu estava meio acordado meio dormindo pensando nessa bomba de hidrogênio, imaginando se, por exemplo, o rádio desse a notícia de que dentro de cinco minutos ia ser jogada uma bomba sobre o Rio. Que faria? Sair correndo com certeza não, pois não teria tempo de chegar a nenhum lugar seguro. Bem, talvez me sentisse mal em morrer assim sozinho dentro do apartamento e saísse correndo para a praia, entrasse pelo mar, desse um mergulho, com uma vaga, irracional, esperança de escapar. Ou minha primeira reação talvez fosse ânsia de comunicação humana, eu pegaria o telefone e discaria... para quem? Acho que teria bastante cabeça para não dar a notícia à pessoa: falaria normalmente, esperando que ela dissesse alguma coisa: se não dissesse eu lhe diria qualquer coisa gentil — talvez especialmente gentil — e desligaria com um suspiro... ou ficaria falando?
Bem, se aquele telefone estivesse em comunicação para que outro eu ligaria? Mas na verdade eu sei qual seria “aquele” telefone? Pode ser também que minha primeira providência fosse me oferecer uma boa dose de conhaque — a última das últimas! — e então eu ficaria na varanda olhando o céu e o mar, soltaria meus passarinhos, ligaria o rádio bem alto para o caso de haver alguma novidade... E talvez pensasse menos nas pessoas que estivessem no Rio e iriam morrer comigo do que nas outras, as que estivessem longe, as que ficariam fora de nossa hecatombe. Pode ser que imitasse naquele instante sobretudo o speaker, a sua situação esplêndida de homem que não tem problema apenas porque tem um dever a cumprir: compreenderia que ele ficaria imune ao medo, falando, talvez até com mais calma, a olhar o relógio, dizendo aos senhores ouvintes que até o último instante ele estaria em seu posto e daria notícia de tudo o que pudesse observar ou saber: oferta suprema do sabonete Ideal exclusivamente para os ouvintes da PR-J-40, a vossa estação. Assim também o fotógrafo teria o que fazer arrumando sua máquina, para a vaga possibilidade de não ser destruído o filme...
Mas na verdade eu ficaria aflito? Muito menos aflito em todo caso do que se o porteiro do prédio me telefonasse lá de baixo avisando que um grupo de homens armados subira o elevador para me matar. Meu medo teria o grande consolo do medo coletivo, e nele se dissolveria um pouco, eu pensaria em certas pessoas excelentes ou chatíssimas que também iriam morrer e isso me daria um grande consolo, por razões opostas, mas do mesmo efeito. Talvez o mais doloroso do medo seja a consciência de que há possibilidade de escapar, como em um naufrágio ou em um bombardeio. Essa possibilidade, essa quase certeza de que alguém vai se salvar, é que deflagra o pânico, talvez: a certeza de que todos morreremos igualmente de que é inútil tomar qualquer providência talvez amanse o medo: estaríamos enfim diante de um instante de igualdade perfeita, sem nenhum privilégio...
Mais provável talvez que eu fosse para a rua onde, na densa multidão reunida haveria mulheres gritando, outras agarrando seus filhos e correndo para qualquer lado, milhares de pessoas de joelhos rezando, chorando... e eu olharia as faces das criaturas e me sentiria irmão, muito irmão de todas naquele instante.