Zico: 

Se você está com saudades do Rio, pare com elas, que o Rio não nas merece. Não tenho memória de ter vivido nesta cidade uma série tão grande de dias tão feios, de pouca chuva, quase nenhum sol, nublados, sem graça, mormacentos, vis.

Só para o dia das eleições o tempo melhorou um pouco; houve sol intermitente e soprou o que o poeta chamava rígida nortada e que, aliás, era mais propriamente nordestada; cédulas e folhas voavam em rodopios e o mar intumesceu e espumou. Não votei, porque à última hora perdi raio do título; mas fui até a boca da urna e depois percorri várias seções. Nosso povo, ó Zico, acostumou-se a eleições. Aquela frase célebre, de que “voto não enche barriga”, do extinto sr. Vargas, não ficou. Pode ser que não encha barriga, mas desoprime o coração; faz bem; dá a cada um a impressão de que manda alguma coisa — e, afinal de contas essa impressão não é de todo errada. O povo acostumou-se a eleições e aprende a votar (certo ou errado) com independência; já é alguma coisa, e mesmo, é uma grande coisa.

Temos um exército onde predomina o sentimento da democracia; em nove anos esteve ele duas vezes juiz absoluto da situação, e de ambas as vezes entregou ao povo a decisão de seus destinos; os generais autoritários e exorbitantes do tipo Zenóbio e Mendes de Morais são hoje mentalidades superadas. Enfim, não podemos contar muita prosa de nossa educação política, mas a verdade é que ainda estamos muito longe de ser suíços, mas já nos afastamos bastante do figurino clássico sul-americano. Que Santa Teresinha do Menino Jesus nos proteja a todos, como diz o sr. Corção, Diário de Notícias.

Dito o que, abraço e adeus.

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