Vejo num jornal uma fotografia feita na Caixa Econômica Federal, em que aparecem muitas máquinas de costura. Lembro-me de que anos atrás escrevi mais de uma vez sobre o assunto. A lembrança que tive não era original, porque já tinha aparecido aqui no Brasil mesmo e se trata de coisa que existe em toda parte do mundo. Estou falando do penhor mercantil sobre essas máquinas.
A coisa é simples. No lugar de reter consigo a máquina de costura, a Caixa deixa-a em poder da família. Um funcionário verifica a existência e funcionamento da máquina, seu número e sua propriedade, o empréstimo é feito. A pessoa que o fez continua a utilizar a máquina para as necessidades de sua família e, não raro, costurando alguma coisa para fora — jeito de sobreviver de tanta família pobre. As vantagens entram pelos olhos de qualquer pessoa. Em primeiro lugar não há a despesa de transporte da máquina. Também a Caixa não precisa gastar espaço para guardá-la. O mais importante é que assim a Caixa não tira à pessoa, a quem empresta dinheiro, a possibilidade de pagá-lo com seu trabalho. Retendo o instrumento de trabalho de uma pobre mãe de família suburbana o que a Caixa faz é dificultar o pagamento da dívida.
A objeção que surge também é natural: sem reter a máquina em sua sede, a Caixa não tem garantia. A pessoa pode sumir com a máquina, ou consumi-la... A experiência de muitos países do mundo mostra que isso acontece em percentagem mínima, insignificante; mostra (vamos abstrair o lado humano) que é mais negócio para a Caixa deixar a máquina com o mutuário. Há uma solução intermediária, que é permitir à pessoa trabalhar em sua máquina dentro da própria sede da Caixa. Seus inconvenientes são muitos, ainda mais numa cidade de transporte caro, difícil e demorado como o Rio. Não é preciso lembrar que ao mesmo tempo que trabalha à máquina a dona de casa toma conta de uma criança, etc.
Disse acima que já escrevi sobre esse assunto. Acontece que me lembro de ter lido, mais tarde, que a Caixa Econômica Federal do Rio resolvera instituir o penhor mercantil, levada, naturalmente, pelo exemplo de instituições idênticas em outros países. Recordo-me que isso foi no tempo em que o sr. Carlos Luz era presidente.
Ora, ou não se efetivou a coisa ou outras administrações resolveram voltar atrás. O fato é que os salões da Caixa continuam cheios de máquinas; continua o mesmo regime antigo, tão irracional e odioso. A Caixa continua fazendo o que um particular qualquer de alma bem formada teria vergonha de fazer: empresta dinheiro a uma família pobre, mas para se garantir rouba a essa família um dos seus meios de vida...
Não sei se a experiência foi feita ou não, ou se foi malfeita. O que não acredito é que o nosso povo seja mais desonesto do que outros. Essa gente pobre seria sensível a um gesto que a Caixa fizesse, principalmente se esse gesto fosse acompanhado de um apelo no sentido de pontualidade do pagamento ou da reforma da dívida. Uma ligeira campanha de publicidade apresentando com simpatia a alteração bastaria para dar esse estímulo psicológico. Um crédito de boa vontade, um ato de confiança, um gesto de simpatia humana, valem muito para a gente do povo.
Sei que à burocracia isso cria problemas, aborrecimentos.... Mas esse espetáculo das máquinas de costura arrumadas em fileiras, paradas, fazendo falta em tanto lar humilde, isso me parece triste demais. Ah, não são essas pobres costureiras familiares que têm dado prejuízo aos cofres públicos, nesta república de ricos!