Visito Di Cavalcanti na rua Dona Carlota. Não era possível escolher um nome de rua mais jeitoso para Di morar. Estamos a poucos metros da Sears, da praia de Botafogo, onde os carros passam em disparada; mas aqui tudo é paz e silêncio; o século ainda não começou, os meninos ainda pulam o muro para roubar manga e em alguma parte, na calma da noitinha, alguém ainda tenta tocar uma flauta.

Andamos pelas ruas de Botafogo; ainda há um casarão cor de rosa nos fundos de um parque: mas o palacete defronte já foi derrubado, e um placard anuncia majestoso bloco de apartamentos.... Não adianta a gente se lamentar; o Rio cresce e se atulha, pagando juros pela tabela Price. 

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Visito outro amigo, em uma rua atrás do Jardim Botânico. Aqui as casas são novas, mas são baixas. As casas são novas, mas o lugar é antigo.

Ainda há árvores que dão flores, menina que estuda piano, pássaros no ar.

Pela janela da sala entra a respiração pesada e acre da mata, na brisa da tarde; e da janela da cozinha se vê, ao longe, espelhando montanhas azuis, a lagoa.

Talvez ali, em noites de lua, passeie o encouraçado. O grande encouraçado que iam vender no estrangeiro e se perdeu no meio do oceano, onde estará navegando?

Está certamente no mar confuso e belo dos meninos ― dos meninos antigos, vestidos de marinheiros, os meninos dos velhos domingos perdidos no passado, nas lentas cidades do interior, meninos que nunca tinham visto o mar, e ajeitavam, com as mãos inocentes, a fita do gorro e a gravata da gola triangular.

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