Publicada, posteriormente, em A cidade e a roça, José Olympio, 1957.
Luxúria, luxuriosa, luxuriante.... Gosta de ouvir essas palavras aplicadas à vegetação; é inútil pretender o dicionário nos informar que nesse caso elas apenas querem dizer viço. Não é apenas viço, é o vício do viço, é a exuberância do viço, é o sensualismo da mata dissoluta em que as formas de vida se misturam, se matam, se amam.
Tudo, na floresta, é libertinagem e luta, os sexos das flores se afirmando em guerra sobre os verdes múltiplos. A ligeira visão da mata me devolve hoje a impressão de um dia remoto em que me arrisquei, sozinho, pelo seu recesso. Aquele sentimento de estar no seio de um organismo grande, imenso, feito de muitos outros, como um grande monstro de vida ― e eu perdido no seu ventre, nos seus cabelos e viscosidades, na sua sombra, nos seus humores. A respiração pesada, os inumeráveis pequenos movimentos e os sutis gestos paralisados no sentido do sol, da água, da afirmação, da reprodução. A luta tramada, o corpo a corpo de troncos, cipós, ramos, raízes... E a vida animal que fervilha de insetos e répteis, aves, bichos pequenos e grandes, gritos, uivos, zumbidos, tudo repele o homem e ao mesmo tempo o aceita no seio do seu sofrimento.
Os que morreram de febre no meio da mata, esses devem ter vivido sua morte com uma estranha vida múltipla, devem ter morrido mais e ao mesmo tempo menos, tão estranho e total deve ser o sentimento de que seu ser será absorvido logo em carnes, folhas, asas, troncos, lodos — tudo úmido de vida, fremente de luxúria...