Aconselho a todos que descansem um pouco de política (a fórmula que ouvi ontem foi essa: “não vamos dar um golpe não, vamos dar um jeito”) e procurem, no segundo ou terceiro dia da semana que vem, em qualquer livraria, a Antologia poética de Vinicius de Moraes, da editora A Noite.
Esse livro reúne a maior e a melhor parte da obra de um dos grandes poetas do Brasil. A seleção, feita por Vinicius com ajuda de Manuel Bandeira, inclui poemas de Caminho para a distância; Ariana, a mulher; Forma e exegese; Novos poemas; Cinco elegias; Poemas; Sonetos e baladas; e Pátria minha, livros quase todos lançados em edições pequenas, e todos há muito esgotados. E há, além disso, poemas novos, escritos nos Estados Unidos ou durante a última estada do poeta no Rio.
Vindo de um misticismo de fundo religioso para uma poesia nitidamente sensual, que depois se muda em versos marcados por um fundo sentimento social, a obra de Vinicius tem como constante um lirismo de grande força e pureza. E além disso há um pouco de tudo no livro ― o patético, o dramático, o satírico, o humorístico e até o piegas, e até o hermético. Vamos embolar sem ordem, nem rumo, alguns versos do poeta:
“Nas tardes da fazenda há muito azul demais. Minha mãe manda comprar um quilo de papel na venda, quero fazer poesia. Se me telefonarem só estou para Maria. Se for o ministro, só recebo amanhã. Se for um trote, me chama depressa. Falarei baixo para não perturbar tua amiga adormecida. Serei delicado. Sou muito delicado. Morro de delicadeza. Minha barba é delicada na pele das mulheres. Na verdade, sou um homem de muitas mulheres e com todas delicado e atento. Tende piedade, Senhor, do mocinho franzino, três cruzes, poeta que só tem de seu as costelas e a namorada pequenina, mas tende piedade ainda do impávido forte colosso do esporte e que se encaminha lutando, remando, nadando, para a morte. Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais, que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação, e sonham exaltadas nos quartos humildes, os olhos perdidos e o seio na mão. A minha namorada é uma nossa senhorazinha, é uma cigana, é uma coisa que me faz chorar na rua, dançar no quarto, ter vontade de me matar e de ser presidente da república. E morro nessas montanhas entre as imagens castanhas da tua melancolia. Meu Deus, eu quero a mulher que passa. Eu posso me dizer do amor (que tive): que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure. E a vida passa depressa no morro do Cavalão entre tantas flores, tantas flores tontas, parasitas, parasitas da nação. Não, tu não és um sonho, és a existência. Oh, deixa-me brincar que te amo tanto, que se não brinco choro, e desse pranto, desse pranto sem dor, que é o único amigo das horas más em que não estás comigo. De repente do riso fez-se o pranto silencioso e branco como a bruma, e das bocas úmidas fez-se a espuma, e das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente não mais que de repente”.