E fazer crônica não dá trabalho! Eu poderia estar ouvindo música, lendo um bom livro, batendo um papo com algum amigo e estou aqui há três, quatro horas, lendo jornal, pensando umas coisas vagas, procurando um assunto qualquer para escrever.

Não acho. Vou à varanda, o mar está feio e triste, um vento sudeste estragou a praia do sábado. Há dois pardais feios no telhado; jogo-lhes miolo de pão; eles se assustam, voam até um telhado vizinho; depois, como fico imóvel, eles voltam. Preciso mandar buscar meu galo de campina. Ele me foi dado de presente, mas era tão selvagem, tão espantado e tão triste que não quis ficar com ele. Pedi a um casal amigo, feliz casal que tem marianinha e rouxinol do Amazonas passeando pela sala, para agasalhar meu galo de campina, ensinar o bichinho a cantar e a ser manso. Já terá aprendido?

José Olympio me prometeu um bicudo; minha experiência diz, entretanto, que bicudo bom ninguém dá, nem vende. Bicudo tem de ser uma criação da gente; é conversando e um pouco brigando com a gente que ele se afeiçoa, se forma, se engrena em suas virtudes e em nosso carinho.

Mas como falar ao leitor de passarinhos que não tenho? Na verdade meu pensamento divaga entre a economia e a política, penso também em certo amigo, mas há uma cena de ontem à noite que me comoveu. Foi numa esquina da rua quase deserta; chovia. Eu vinha para casa apressado por causa da chuva quando vi um casal de namorados. Não estava sob nenhum toldo ou marquise, mas simplesmente na chuva. Ela falava, ele passava a mão pelo seu rosto e pelos seus cabelos.

O vento era frio, a chuva não era muito grossa mas era de molhar mesmo — e eles estavam ali, um pouco afastados da luz do poste, junto à grade de um jardim, tão quietos, tão entretidos e perdidos em seu sonho como se os abençoasse um sol dourado ou uma lua cor de prata.

Quando cheguei perto, desviei os olhos, para não os incomodar. Entrei no café da esquina, comprei cigarros e, como sentia os pés úmidos, pedi uma bagaceira e fiquei a sorvê-la aos goles no balcão, conversando com o velho garçom. Rubens jogará contra o Bangu? De qualquer maneira o segundo turno é nosso. E não tem perigo, o Flamengo será bicampeão. É verdade que Rubens faz falta no time, o pretinho é de ouro. O senhor sabe de um jogador do Fluminense que eu gosto de ver? É Robson. Afinal o que é que houve com Didi?

A conversa foi indo, tomei outra bagaceira, despedi-me, atravessei a rua para vir para casa. Como vinha um carro, olhei para a esquerda. Lá estava, no mesmo lugar, o casal de namorados: ele de roupa de linho, ela de saia e blusa. Continuavam os dois sob a chuva ― ela falando baixo, ele passando a mão pelo seu rosto, pelos seus cabelos. Continuavam no mesmo enleio, indiferentes ao vento e à chuva ― humildes, felizes e, sem o saber, eternos.

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