É domingo; e domingo, mesmo sem pescaria, é dia de mar. Vamos às Rocas de Santo Domingo, a uns 100 quilômetros de Santiago, e atravessamos esse vale central, entre a Cordilheira dos Andes e a Cordilheira da Costa, que é o tutano do Chile. Aqui a terra é plana e boa, preta, gorda, generosa; os campos se estendem divididos por álamos, eucaliptos e salgueiros. Reparo que esses salso-chorões têm seus ramos pendentes curiosamente aparados a meia altura, com uma regularidade absoluta. Será que esses camponeses chilenos, que sabem enfeitar tão bem de flores suas casinhas e têm tanto gosto para fazer essas cercas vivas de peumos e zarzamoras em que brilha no meio do verde o rubi vivo das frutinhas miúdas será que eles andam de tesoura pelos campos a aparar chorões? A moça chilena me explica, rindo, que são os bois que comem os ramos dos salgueiros; comem até onde alcançam, e assim os chorões ficam tosados numa horizontal perfeita.

Nos tetos das choupanas o milho e às vezes grandes abóboras estão secando ao sol; de vez em quando, na verdura do campo, há uma nota alegre e viva; é a bandeira chilena, azul, vermelha e branca, com sua estrela solitária (não foi o Botafogo, meu caro Ponte Preta, quem inventou essa expressão; o Chile é mais antigo que o Botafogo...). Nas cidades e aldeias — Talagante, El Monte, Melipilha —  há sempre, nos domingos, muitas bandeiras desfraldadas; ao contrário do brasileiro, o chileno gosta de desfraldar sua bandeira. Há também bandas de música, povo endomingado a bobear pelas praças, honestos bêbados a fazer sinais para os carros que passam — e um belo sol que nos abençoa a todos, até aos carabineiros, com certeza.

Estou aprendendo no Chile com a terra e com os poetas, e aqui um poeta do Chile me ajuda a contar este dia: “Qué ladridos de perros y hablar de gringos

Si parece que uniera este solo dia

Toda la transparencia de diez domingos...

Os versos são de Dieglo Dublé Urrutia; os gringos somos nós e o domingo é geral. A chegada ao mar fica para ser contada outro dia.

rubem-braga
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