Uma crônica de Eneida me faz lembrar que no dia 14 deste último abril passou o 20º aniversário da morte de Antônio de Alcântara Machado. 

Conheci Antônio de Alcântara Machado (ele dizia e escrevia António, pronúncia paulista) coisa de um ano antes de sua morte. Eu havia chegado a S. Paulo, onde não conhecia uma só pessoa, em fins de 1933. Um incidente sem importância com o gerente do jornal em que eu trabalhava em Belo Horizonte me inspirou essa viagem de simples aventura, mas alguns meses depois de estar em S. Paulo meu nome começou a ser conhecido por causa das crônicas que eu assinava no Diário de S. Paulo. É preciso lembrar que os paulistas, àquela altura, ainda estavam com cicatrizes muito recentes da Revolução Constitucionalista. Havia em muitos meios uma certa prevenção contra todo mundo que não fosse paulista. Foi isso, aliás, o que fez com que muitos nortistas e nordestinos que viviam em S. Paulo aderissem ao integralismo, então nascente: era o único partido que desfraldava a bandeira nacional. Vestir a camisa verde era reação sentimental dos “cabeças-chatas”...

Capixaba não é cabeça-chata, e eu não tinha nada contra São Paulo, nem ligava importância às expansões ocasionais de regionalismo paulista. Achava natural. Eu não simpatizava com a Ditadura, e fora correspondente de guerra na frente legalista (Túnel da Mantiqueira) para os “Associados” de Minas, que estavam ao lado de S. Paulo: acabei preso na frente como “espião”, para ser solto duas ou três semanas depois em Belo Horizonte. Além disso eu era filho de um paulista — e haveria de ser pai de outro... 

Mas os ardores regionalistas tinham seus exageros ridículos, a que não se furtavam mesmo alguns dos melhores espíritos de S. Paulo. Fiz uma crônica de brincadeira contando a história de um antepassado meu, um Braga bandeirante, caçador de índios e esmeraldas, paulista de 400 anos.... Essa crônica me valeu algumas prevenções (inclusive, provavelmente, a de Mário de Andrade, que duraria até sua morte) e fui informado, na ocasião, de que o bravo sr. Ellis Junior chegara a exigir no Palácio dos Campos Elíseos minha expulsão de São Paulo! Oswald de Andrade procurou-me para me conhecer e elogiar aquela despretensiosa e inofensiva sátira ao “quatrocentismo”, o que era natural, pois ele fora contra o Movimento de 32, e por ele perseguido. Mas quem também apareceu na redação para me abraçar, e muito bem-humorado, foi o chefe da propaganda do Movimento, filho do homem que criara a bela “tirada” do “Paulista sou” há 400 anos — Antoninho de Alcântara Machado.

Ficamos amigos, embora sem qualquer intimidade; em parte devido à minha timidez, em parte à diferença de idade, que era de uns 12 anos. Quando ele aceitou o lugar de diretor do Diário da Noite no Rio, e me fez um apelo para ir com ele, eu topei, embora com um grave prejuízo financeiro, de que ele nem teve notícia.

Fui para o Rio. Ajudei-o a dar uma sacudida no Diário da Noite, então excessivamente grave para um vespertino carioca. Um dia soube que ele adoecera, mas pensei que fosse coisa à-toa. A última vez que o vi ele estava alegre, contando histórias ótimas, rindo muito. Sua morte foi para mim uma surpresa excessivamente estúpida: não me animei sequer a ir a seu enterro.

rubem-braga
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